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Vamos deixar de consumir tubarão?

Artigo de opinião de Ana Henriques, Técnica de Oceanos e Pescas da ANP|WWF

Enquanto lê este artigo, e prevendo que dedique 3 minutos a fazê-lo, estima-se que terão sido pescados perto de 600 tubarões e raias por todo o mundo.  A média internacional, de cerca de 200 exemplares capturados a cada 60 segundos, é um número que alimenta um comércio global, complexo e opaco e está a pôr em causa a sobrevivência destas espécies e consequentemente o próprio equilíbrio dos ecossistemas marinhos e das comunidades locais que deles dependem.

Argumentos que justificam a importância de agir em prol da regulação e transparência deste comércio e da consciencialização dos intervenientes na cadeia, dos fornecedores aos consumidores, passando pelas organizações e autoridades. Portugal integra a lista dos grandes importadores e exportadores de carne de tubarão e raia: ocupa o 3.º lugar no ranking dos membros da União Europeia com mais capturas de tubarão e raia; é o 2.º país do mundo com maior exportação de carne de tubarão e está em 6ª posição dos países com maior volume de importações de carne de raia.

Portugal tem então uma responsabilidade elevada no que toca à conservação e gestão dos seus tubarões e raias, e pode desempenhar um papel fundamental na melhoria dos sistemas de rastreio e identificação dos produtos à base de tubarão e raia. E não nos referimos apenas à indústria que alimenta a famosa sopa de barbatana de tubarão, tão popular na gastronomia asiática, mas também à da carne que, à primeira vista, o consumidor não associaria às espécies de  tubarões, como tintureira e cação, e aos demais produtos processados com ingredientes à base de tubarão e raia, como esqualeno, óleo de fígado e cartilagem, utilizados por exemplo na indústria de suplementos, cosmética e farmacêutica.

Aliás, devido ao lugar de topo que ocupam na cadeia alimentar, alguns destes animais concentram no corpo poluentes orgânicos e metais pesados, como o mercúrio, em níveis superiores aos limites definidos para consumo humano. Se isso não bastasse para manter os tubarões e raias longe do nosso prato, há que entender que as características biológicas de muitas espécies de tubarão e raia são parecidas às dos mamíferos, seja na forma lenta como crescem, no tempo que demoram a atingir a maturidade reprodutiva, como na duração das suas gestações e na escassez do número de crias, o que as torna particularmente vulneráveis à pesca excessiva.

Para os produtos derivados do esqueleto e do fígado dos tubarões, podemos encontrá-los tanto na forma de preparados de peixe, como em cápsulas, ampolas, cremes, pomadas, sprays, bálsamos, mas há várias alternativas vegetais que prometem cumprir o mesmo propósito, pelo que o valor em vida destes animais acaba por ser bem mais benéfica para o oceano e em última análise para nós.

E se ainda há dúvidas sobre a existência de tubarões e raias nas nossas águas, importa esclarecer que, sim, eles existem e são importantíssimos para termos um oceano saudável e com uma grande biodiversidade de outros peixes.  Foram identificadas 110 espécies no mar nacional, o que significa que 90% do total de espécies que existem na Europa estão presentes na nossa zona marítima. Cuidar do mar português é assegurar a proteção de um considerável número de espécies e, por conseguinte, um garante da sustentabilidade dos oceanos, recurso essencial na mitigação das alterações climáticas e da vida como a conhecemos.

A ANP|WWF, que dedica uma das suas áreas de intervenção aos Oceanos e Pescas, começou em 2020 a trabalhar para  reverter os declínios alarmantes de muitas espécies de tubarões e raias e a incentivar o país a agir através de medidas governamentais de regulação e proteção focadas na gestão e conservação destes animais. Como resultado, o governo criou um grupo de trabalho em 2023 com o compromisso de elaborar o seu Plano de Acção Nacional para a gestão e conservação de tubarões e raias, um conjunto de medidas ao nível da pesca, comércio e conservação marinha, que devem ser implementadas o mais rapidamente possível se queremos evitar a tempo a extinção de muitas populações de tubarões e raias.

Face ao desconhecimento sobre quais os produtos à base de tubarões e raias disponíveis para o consumidor, a ANP|WWF lançou recentemente a segunda edição do Guia de (Não) Consumo de Tubarões e Raias, resultado de uma pesquisa em 61 pontos de venda de pescado, correspondendo a 186 bancas de atendimento e cerca de 21 mil produtos processados em cadeias de supermercados, parafarmácias e lojas de produtos naturais. Este estudo permitiu perceber que nas lojas de venda de pescado mais de metade dos tubarões e raias não tinham informação suficiente para o consumidor fazer uma escolha informada e evitar o consumo de espécies ameaçadas.

E, no caso dos produtos processados, na grande maioria não é possível o consumidor identificar qual a fonte do ingrediente, no entanto 66 produtos congelados, cosméticos, farmacêuticos e de suplementação têm uma referência clara a ingredientes à base de tubarão. Este Guia pretende aumentar a literacia do consumo (direto e indireto) de tubarões e raias, apresentar alternativas e fornecer recomendações para evitar o consumo destas espécies ao mesmo tempo que alerta para a necessidade de as preservar – ameaçadas devido ao factor consumo e a outras atividades humanas -, mostrando a importância do seu papel no equilíbrio da cadeia alimentar. 

Sendo um dos grupos mais ameaçados de extinção do planeta, os tubarões e raias precisam de destaque e de ser uma prioridade nacional nas políticas de conservação marinha e gestão de recursos naturais.  Apoiados por ações de  alerta e capacitação para diferentes públicos e actores de interesse envolvidos no comércio, consumo e distribuição de produtos à base de tubarões e raias, é possível reverter extinções e proteger os guardiões dos nossos oceanos, os tubarões e raias.

Agricultura e Mar

 
       
   
 

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