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A proteção ambiental não é inimiga da agricultura – e eis o porquê

Artigo de opinião de Tiago Luís, Coordenador de Alimentação da ANP|WWF

Os últimos meses têm sido marcados por inúmeras manifestações de agricultores por toda a União Europeia (UE). Embora as reivindicações possam variar de país para país, existem duas  preocupações fundamentais que estão na  base destas manifestações: o peso das políticas ambientais sobre o setor agrícola, e os baixos rendimentos dos agricultores.

Ao contrário do que tem sido veiculado, estas ideias não estão relacionadas entre si, mas é inegável que o sistema alimentar e agrícola da UE enfrenta sérios desafios, a que as soluções ad hoc e de curto prazo que têm vindo a ser aplicadas e agora se querem repetir  não conseguiram dar uma resposta adequada. Quer estejam relacionados com o clima ou com a geopolítica, as ondas de choque colocam os produtores, as cadeias de abastecimento e os consumidores sob pressão. Durante décadas, a Política Agrícola Comum não conseguiu apoiar os agricultores, ao mesmo tempo que impulsionou ativamente a intensificação, permitindo que a agricultura intensiva se tornasse o maior fator de perda de biodiversidade na UE – o que é especialmente grave se pensarmos que este é um setor que depende tão fortemente da natureza para sobreviver – e que os sistemas alimentares se tornassem muito vulneráveis.

Em vez de eliminar as medidas ambientais (que protegem os sistemas de produção agrícola), a UE deveria abordar os problemas reais, como, por exemplo, os preços justos para os agricultores: a Comissão Europeia deve aplicar na íntegra a diretiva relativa às práticas comerciais desleais e abordar a transparência da cadeia de abastecimento alimentar. Também é imprescindível atribuir mais fundos públicos aos agricultores que praticam uma agricultura sustentável, porque só assim se garante a sustentabilidade da agricultura a longo prazo e uma maior resiliência contra eventuais choques externos. Os subsídios prejudiciais devem ser fundamentalmente redefinidos, primando-se por um maior financiamento de práticas agrícolas que respeitem a natureza.

A distribuição dos fundos da PAC deve ser mais justa, apoiando os agricultores em dificuldades. 20% dos maiores agricultores europeus, frequentemente empresas agrícolas industriais de grande dimensão, recebem 80% dos pagamentos diretos, enquanto a maioria dos agricultores (frequentemente explorações familiares) em pequenas ou médias explorações recebe pouco, ou nada.

É igualmente essencial existir um maior envolvimento, incluindo financeiro, dos transformadores e retalhistas de alimentos na transição para uma alimentação sustentável. Por outro lado, devem-se reforçar as medidas ambientais que previnem os riscos climáticos, como as inundações e as secas, em vez de pagar os custos crescentes dos prejuízos causados pela perda de colheitas na sequência de fenómenos meteorológicos extremos, e apoiar os agricultores na sua aplicação. Por fim, deve-se exigir que as importações agrícolas cumpram as mesmas normas de sustentabilidade, saúde e segurança que as aplicadas na UE (medidas-espelho) para evitar a concorrência desleal.

Who Determines The Cost Of Food

A WWF lançou em 2023 o relatório “Who Determines The Cost Of Food?”, que analisava o impacto das políticas governamentais no custo dos alimentos, e mostrava que as políticas da UE estão a incentivar o consumo excessivo de determinados produtos e a negligenciar a produção de alimentos sustentáveis e saudáveis (com óbvios custos para o planeta e bem-estar das pessoas). Ora, em vez de a UE garantir um melhor acesso a alimentos saudáveis e sustentáveis, continuam a existir subsídios que apoiam a produção agrícola prejudicial e impostos que colocam em pé de igualdade alimentos sustentáveis e não sustentáveis.

Assim, são múltiplos os caminhos que podem ser tomados para mitigar os impactos das alterações climáticas e consequentes impactos sociais das mesmas: estabelecer o acesso a alimentos sustentáveis e saudáveis como uma prioridade em todos os países da UE; criar uma política alimentar comum como garantia para que os cidadãos tenham acesso a opções alimentares que promovam a sustentabilidade e a saúde; adotar uma nova legislação que promova a transição para um sistema alimentar mais sustentável na UE, visando mitigar os impactos negativos da produção e consumo alimentares; mobilizar o orçamento da UE para fortalecer a resiliência do sistema alimentar, investindo em práticas agrícolas sustentáveis e incentivando a produção de alimentos saudáveis.

Para concretizar todas estas medidas que promovem a sustentabilidade na agricultura e a transformação do sistema alimentar, é essencial a participação de todos os níveis de governação, promovendo a colaboração entre os países membros.

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