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Alimentação, sustentabilidade e o papel que a UE continua a não cumprir

Artigo de opinião de Tiago Luís, Coordenador de Alimentação da ANP|WWF

 Na semana em que se assinala o Dia Mundial da Alimentação, a WWF lançou o estudo High Cost of Cheap Water (O Alto Custo da Água Barata), confirmando uma correlação clara entre a escassez de água e a insegurança alimentar: os rios e os lagos estão a secar, a poluição está a aumentar e as fontes de alimentos, como a pesca de água doce, estão a diminuir. Por outro lado, a extração de quantidades insustentáveis de água e as alterações dos caudais dos rios, bem como os impactos das alterações climáticas, a poluição e os subsídios públicos prejudiciais, colocam ainda mais em perigo os ecossistemas de água doce: afinal, dois terços dos maiores rios do mundo já não correm livremente, e as zonas húmidas continuam a perder-se três vezes mais depressa do que as florestas.

O atual modelo de produção e consumo de alimentos está a falhar a todos e não responde às sucessivas crises globais que revelam as disfuncionalidades do nosso sistema alimentar, incluindo as más condições dos trabalhadores em toda a cadeia de abastecimento alimentar e a dependência de fatores de produção agrícola importados, como os fertilizantes, que fizeram disparar os preços dos alimentos. Como consequência, muitos agregados familiares não conseguem suportar estes custos e assim, ter acesso a uma dieta nutricionalmente equilibrada.

Políticas como a Política Agrícola Comum estão a incentivar o consumo excessivo de carne e a negligenciar a produção de alimentos sustentáveis e saudáveis, nomeadamente através de subsídios que apoiam formas de agricultura insustentável que, de forma negligente, colocam em pé de igualdade os alimentos sustentáveis e não sustentáveis

Embora a segurança alimentar tenha estado no centro do debate na UE nos últimos anos, os decisores políticos estão a negligenciar claramente as políticas que poderiam garantir um melhor acesso a alimentos saudáveis e sustentáveis. Ousamos até afirmar que as atuais políticas da União Europeia não favorecem a produção ou o consumo sustentáveis. Um outro estudo da WWF lançado em setembro deste ano analisou o impacto das políticas governamentais no custo dos alimentos e revelou que políticas como a Política Agrícola Comum estão a incentivar o consumo excessivo de carne e a negligenciar a produção de alimentos sustentáveis e saudáveis, nomeadamente através de subsídios que apoiam formas de agricultura insustentável que, de forma negligente, colocam em pé de igualdade os alimentos sustentáveis e não sustentáveis.

Precisamos de uma Política Agrícola Comum que coloque as falhas em alcançar a sustentabilidade do sistema alimentar no centro do debate e da ação. Infelizmente, as alterações climáticas estão a ameaçar a nossa segurança alimentar num futuro próximo. Esta situação afeta todos, especialmente os cidadãos e os agricultores mais vulneráveis, bem como a natureza. Para enfrentar a crise de desafios interligados, temos de resolver as desigualdades e os problemas estruturais dos nossos sistemas alimentares. Os decisores políticos devem abordar holisticamente a oferta e a procura de alimentos.

Lei Europeia dos Sistemas Alimentares Sustentáveis

A proposta da Comissão Europeia para a Lei Europeia dos Sistemas Alimentares Sustentáveis, inicialmente anunciada para o final de setembro, visava precisamente resolver o problema da acessibilidade de alimentos sustentáveis e saudáveis. No entanto, notícias recentes sugerem que a proposta está por um fio e poderá não ver a luz do dia. Seria um grande erro abandonar esta lei. Não podemos continuar a enfrentar secas e ondas de calor e não fazer nada para além de gastar dinheiro público na reparação dos danos.

A maneira como produzimos, distribuímos e consumimos alimentos tem um impacto significativo na natureza. Reforçar o sonho europeu é assumir este papel fundamental na proteção da natureza, promovendo práticas agrícolas sustentáveis, investindo na investigação e inovação em agricultura e sustentabilidade, incentivando o consumo consciente de alimentos e reduzindo o impacto ambiental da produção de alimentos. Precisamos que esta Comissão termine o trabalho que começou e inste todos os atores da cadeia de abastecimento alimentar a darem um contributo mais forte do que as atuais promessas voluntárias e muitas vezes sem seguimento ou estrutura. Andamos há décadas e décadas a tentar montar um puzzle que nos permita, enquanto sociedade, viver de forma justa e equitativa.

Esquecer a alimentação enquanto peça fundamental deste puzzle é bem mais do que o deixar por terminar: é deitar tudo por terra, principalmente quando temos cada vez menos tempo para restaurar o clima e toda a biodiversidade que já destruímos.

Agricultura e Mar

 
       
   
 

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