O Prémio Gulbenkian para a Humanidade deste ano realça a diversidade de soluções no âmbito da agricultura sustentável e distingue pessoas e organizações que contribuem para a segurança alimentar, resiliência climática e protecção dos ecossistemas a nível global.
Os vencedores do Prémio são o programa Andhra Pradesh Community Managed Natural Farming (Índia), o Professor Rattan Lal (EUA/Índia) e a plataforma de ONG’s SEKEM (Egito), que irão partilhar o Prémio no valor de 1 milhão de euros, a fim de expandirem o seu trabalho em prol de sistemas alimentares mais seguros e sustentáveis.
Os premiados são: Andhra Pradesh Community Managed Natural Farming (Índia), um programa que apoia pequenos agricultores, predominantemente mulheres, na transição para uma agricultura natural; Rattan Lal (EUA/Índia), cientista pioneiro na abordagem à agricultura centrada no solo; e SEKEM (Egito), uma organização com trabalho no domínio da agricultura biodinâmica, em particular pela sua emblemática iniciativa Associação Biodinâmica Egípcia, uma rede que apoia os agricultores na transição para práticas agrícolas regenerativas.
O Júri, presidido por Angela Merkel, avaliou 181 candidaturas, de 117 nacionalidades, o maior número de sempre de nomeações e distribuição geográfica propostas para o Prémio. Os três vencedores foram seleccionados pelas suas abordagens distintas à agricultura sustentável, incluindo a agricultura biodinâmica, natural e regenerativa, as quais têm sido implementadas com sucesso em diversas regiões com condições climáticas adversas, demonstrando como a agricultura sustentável beneficia as comunidades, os agricultores, as economias e o planeta, avança uma nota de imprensa da Gulbenkian.
O Prémio Gulbenkian para Humanidade 2024 vem sublinhar como os desafios climáticos são interdependentes e conduzem a crises sistémicas interligadas. As alterações climáticas agravam a perda de biodiversidade, a ocorrência de fenómenos climáticos extremos e a degradação dos recursos, perturbando os sistemas alimentares e a saúde humana, a nível mundial. A agricultura contribui significativamente para as alterações climáticas através das emissões de carbono, da degradação dos solos e dos recursos hídricos, e da perda de biodiversidade.
Andhra Pradesh Community Managed Natural Farming
O programa Andhra Pradesh Community Managed Natural Farming (APCNF) apoia pequenos agricultores na transição de uma agricultura intensiva, com recurso a substâncias químicas, para uma “agricultura natural”, através de técnicas como utilizar resíduos orgânicos e não lavrar a terra para melhorar a saúde do solo, a reintrodução de sementes autóctones e a diversificação de culturas, incluindo árvores. O programa foi lançado, em 2016, pelo Governo de Andhra Pradesh, um estado na costa sudeste da Índia, de forma a criar respostas sustentáveis às preocupações dos agricultores com as crises económicas e as alterações climáticas.
Implementado pela organização sem fins lucrativos Rythu Sadhikara Samstha (RySS) (Farmers Empowerment Cooperation), o APCNF é o maior programa de agroecologia do mundo, que envolve mais de um milhão de pequenos agricultores, sobretudo mulheres, em 500.000 hectares na região de Andhra Pradesh.
Logo na primeira fase de transição, este programa permite aos agricultores um aumento na produtividade das colheitas, bem como melhores rendimentos e vantagens para a saúde. Gera benefícios ambientais e sociais ao sequestrar mais carbono no solo, reverter a degradação do solo, reduzir a sua temperatura e aumentar a biodiversidade. O sucesso do programa assenta em quatro pilares: implementação baseada numa rede consolidada de colectivos de mulheres; aprendizagem interpares através de “Agricultores Mentores ”; tecnologia evolutiva; e ser uma iniciativa apoiada pelo estado.
Nos próximos 10 anos, este programa pretende chegar aos oito milhões de agregados familiares de agricultores que vivem em Andhra Pradesh e inspirar a sua replicação noutros locais. O modelo está a ser incubado em 12 estados da Índia e será introduzido, ainda este ano, em cinco outros países do Sul Global, adaptado aos contextos locais.
Rattan Lal
Por sua vez, Rattan Lal, natural da Índia e Professor de Ciência dos Solos na Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, é um cientista de prestígio mundial, precursor de uma abordagem centrada no solo, que harmoniza a produção alimentar com a preservação ecológica e a mitigação das alterações climáticas. As suas metodologias têm demonstrado, a nível global, a interligação entre a saúde dos solos e o bem-estar ambiental e humano, bem como a importância de promover a segurança alimentar em paralelo com a conservação dos recursos naturais. Ao promover a investigação e a educação em prol da gestão sustentável dos solos, Rattan Lal tem contribuído para o desenvolvimento do conhecimento na área da agricultura sustentável e da resiliência climática.
SEKEM
Já a SEKEM é uma plataforma de ONG’s e empresas que promovem abordagens holísticas no combate às alterações climáticas. Criada há quase 50 anos numa região desértica do Egipto, SEKEM focou-se, desde o início, na agricultura biodinâmica, regenerando solo árido com o envolvimento da comunidade local. O seu trabalho no domínio da alimentação e da agricultura promove as práticas regenerativas e destaca os benefícios conexos de soluções baseadas na natureza, tanto para o solo como para as comunidades.
A principal iniciativa de SEKEM no âmbito da agricultura regenerativa é a Associação Biodinâmica Egípcia (EBDA), a maior associação de agricultores independentes do Egito, que dá apoio na transição de modelos agrícolas convencionais para modelos agrícolas regenerativos, o que, por sua vez, promove o desenvolvimento rural. Até à data, a EBDA apoiou cerca de 10 000 agricultores e converteu mais de 12 000 hectares de terra.
Segurança alimentar global
Para Angela Merkel, presidente do Júri “o acesso a uma alimentação de elevada qualidade nutricional é de importância vital para todos. As alterações climáticas, e o aquecimento global que daí resulta, provocaram um aumento de fenómenos climáticos extremos e põem em perigo a segurança alimentar global. Esta situação implica um desafio adicional a todos os que se dedicam ao sector agrícola. Os vencedores deste ano demonstraram, de forma exemplar, como, na prática, os sistemas alimentares sustentáveis podem contribuir para a resiliência climática”.
A alimentação é fundamental para os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a agenda de desenvolvimento das Nações Unidas para o século XXI. O segundo dos 17 ODS tem como objectivo “erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável.” Para atingir este objectivo até à data prevista de 2030, é necessária colaboração internacional, com vista à transformação sustentável do sistema alimentar e agrícola a nível global.
Prémio de 1 M€
Os três vencedores do prémio, que partilharão em partes iguais o montante de um milhão de euros, estão comprometidos em utilizar este financiamento para promover os seus esforços ou apoiar outros projectos de agricultura sustentável.
António Feijó, presidente do conselho de administração da Fundação Calouste Gulbenkian, afirma: “queremos distinguir os vencedores deste prémio pelo seu trabalho pioneiro no domínio da agricultura sustentável e pelas soluções inovadoras para a segurança alimentar, resiliência face às alterações climáticas e protecção dos ecossistemas a nível global. Cada um dos premiados demonstrou um grande empenho na transformação das práticas agrícolas, provando que os modelos sustentáveis podem prosperar em ambientes desafiantes e diversos. O seu trabalho demonstra os benefícios da agricultura sustentável para as comunidades e para o planeta. Acreditamos que as suas histórias irão inspirar outros a implementar abordagens semelhantes noutras regiões do mundo e a construir um futuro sustentável para todos”.
O Prémio Gulbenkian para a Humanidade é uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e distingue indivíduos e organizações que contribuem com o seu exemplo e liderança para enfrentar o maior desafio actual da humanidade: as alterações climáticas e destruição da natureza. No valor de um milhão de euros, distingue contribuições excepcionais para a acção climática e soluções que inspiram esperança e novas possibilidades.
Este é o quinto ano em que o prémio é atribuído. Em 2020, foi atribuído a Greta Thunberg; em 2021, foi entregue ao Pacto Global de Autarcas para o Clima e a Energia; em 2022, foi atribuído conjuntamente ao Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) e à Plataforma Intergovernamental Científica e Política sobre a Biodiversidade e os Serviços dos Ecossistemas (IPBES); e, em 2023, conjuntamente a Bandi “Apai Janggut”, líder comunitário tradicional da Indonésia, Cécile Bibiane Ndjebet, ativista e agrónoma dos Camarões, e Lélia Wanick Salgado, ambientalista, designer e cenógrafa do Brasil. O Prémio foi utilizado ao longo dos últimos cinco anos para ajudar as comunidades que enfrentam os impactos mais graves das alterações climáticas e para alargar o trabalho dos vencedores na sua mitigação, nomeadamente através da recuperação de ecossistemas vitais e do apoio a projectos de transição energética e resiliência climática.
Vão receber o Prémio, no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, Vijay Kumar, vice-presidente executivo da RySS e Conselheiro do Governo de Andhra Pradesh, Departamento de Agricultura e Cooperação (Índia), e Nagendramma Nettem, Agricultora pioneira e mentora da Andhra Pradesh (pelo APCNF); Rattan Lal, Professor de Ciência dos Solos ; Helmy Abouleish, director-executivo da SEKEM, e Naglaa Ahmed, directora-executiva de Projectos da EBDA (por SEKEM).
Agricultura e Mar