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Proteger o Lobo: uma derrota da UE à Convenção de Berna

Artigo de opinião de Bianca Mattos, Coordenadora de Políticas da ANP|WWF e Vasco Silva, Coordenador de Florestas e Biodiversidade da ANP|WWF

Na reunião da Comissão Permanente da Convenção de Berna, que decorre até 6 de dezembro, estava em jogo a possível diminuição do estatuto de proteção do lobo (uma proposta garantida também por Portugal), passando esta espécie de “estritamente protegida” para “protegida”. O prognóstico confirmou-se: o Comité aprovou mesmo a desproteção do lobo, uma decisão amplamente criticada por organizações ambientais, cientistas e demais especialistas em conservação da natureza.

Este tema, aparentemente técnico, traz implicações graves e possivelmente irreversíveis para os esforços de conservação da vida selvagem na Europa. Não obstante as ideias falsas veiculadas pela própria Comissão Europeia durante o processo de votação da proposta de redução do seu estatuto, o lobo (Canis lupus) enfrenta ainda desafios significativos para a sua recuperação. Apesar dos avanços nas últimas décadas, a realidade é que a maioria das populações de lobos na Europa permanece ameaçada. Dados da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e da Diretiva Habitats da UE evidenciam que apenas 3 das 9 subpopulações (que incluem o lobo-ibérico) são classificadas como “Pouco Preocupantes”, e apenas 1 em 7 (a Alpina) possui um estado de conservação favorável.

A proposta de reduzir o estatuto de proteção não tem sustentação científica. Argumentos que associam a proteção mais estrita do lobo ao aumento de conflitos com comunidades humanas não encontram respaldo nas evidências. Pelo contrário, vários estudos demonstram que a caça ao lobo, em vez de mitigar os conflitos, pode agravá-los, desestabilizando a dinâmica social das alcateias e aumentando o risco de ataques ao gado. Além disso, a flexibilização das regras de proteção tende a alimentar a caça ilegal e a diminuir esforços para melhorar a coexistência entre pessoas e lobos, como aconteceu na Lapónia finlandesa.

O que realmente funciona para que as populações rurais e os lobos vivam em harmonia é a implementação de medidas de mitigação – como cercas elétricas, cães de guarda e esquemas de compensação financeira por perdas de gado – que se têm demonstrado eficazes na redução de conflitos, pois reduzem as oportunidades para os lobos de atacarem o gado, e reembolsam quem mesmo assim não consegue evitar perdas. Outros dois aspetos são fundamentais: recuperar populações das espécies de que o lobo se alimenta, para prevenir ataques a gado; e promover o lobo como símbolo de orgulho das comunidades rurais no seu património natural, como já acontece em Portugal, ainda que de forma incipiente. Investir numa estratégia que permita a coexistência, em vez de recorrer a soluções ultrapassadas e prejudiciais como a caça, promove não só a conservação do lobo, mas também as restantes espécies, incluindo a pecuária extensiva, dependentes do funcionamento e equilíbrio dos ecossistemas.

Permitir o abrandamento dos esforços de conservação do lobo no âmbito da Convenção de Berna abrirá um perigoso precedente. Num momento em que a biodiversidade global enfrenta uma crise inigualável, enfraquecer a proteção de uma espécie tão crucial é mais um retrocesso nas conquistas ambientais da Europa e no mundo. O lobo desempenha um papel essencial na manutenção da saúde dos ecossistemas, controlando populações de herbívoros e promovendo a regeneração de habitats naturais.

Decisões políticas sobre a conservação da natureza devem ser baseadas em dados técnico-científicos rigorosos e atualizados. O debate em torno do lobo ilustra a necessidade de harmonizar  políticas com as melhores práticas de conservação – e a decisão de enfraquecer a proteção do lobo compromete gravemente a credibilidade da União Europeia como líder na conservação da biodiversidade. O governo português assumiu este mandato a dizer que basearia as suas decisões na melhor ciência disponível, mas não foi isso que assistimos, infelizmente, quando decidiu mudar o sentido do seu voto e apoiou a posição da Comissão de reduzir a proteção do lobo.

O resultado deveria ter sido outro: fortalecer as medidas de conservação e investir na coexistência sustentável, garantindo que o lobo continua a desempenhar o seu papel no equilíbrio dos nossos ecossistemas. Mas o statuo quo que se instala também tem na sua agenda minar este equilíbrio – e a perigosa conivência com narrativas e práticas políticas que cada vez desconsideram a ciência trará consequências graves, principalmente numa altura em que as crises climáticas e de biodiversidade, aliadas à crise dos Direitos Humanos, constituem as maiores ameaças ao bem-estar de todos.

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