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Faltam visão e ambição para a Agricultura Europeia

Artigo de opinião de Tiago Luís, Coordenador de Alimentação da WWF Portugal

A Comissão Europeia lançou recentemente a sua Visão para a Agricultura e Alimentação, um documento que promete moldar o futuro do setor agrícola da União Europeia.

Esta visão deveria ter por base o Diálogo Estratégico sobre o Futuro da Agricultura na UE, dinamizado pela própria Comissão Europeia há 1 ano e que reuniu os principais stakeholders da agricultura da UE, num processo participativo que resultou numa base de entendimento do que deve ser a agricultura da UE e o que é necessário fazer para a transformar.

Embora o documento da Visão sublinhe a importância da ação climática e proponha ajustes nos pagamentos diretos da Política Agrícola Comum (PAC) para uma distribuição mais justa dos apoios, a sua falta de direção concreta levanta questões sobre a verdadeira intenção e impacto deste documento. Lembremos os aspetos positivos presentes neste documento como o compromisso com uma fiscalização mais rigorosa da legislação ambiental vigente e os incentivos financeiros para os agricultores que ultrapassem os requisitos ambientais mínimos. No entanto, não deixamos de notar a omissão de medidas essenciais, como o aumento dos pagamentos ambientais acordado no Diálogo Estratégico, deixando esta Visão para a transformação agrícola da UE vaga e pouco ambiciosa.

A Visão sugere princípios gerais para tornar as medidas da PAC mais direcionadas, privilegiando agricultores que contribuam para a conservação ambiental. No entanto, a distribuição dos apoios continuará a basear-se na área cultivada, e não há indícios concretos de que os pagamentos por esforços ambientais aumentarão num futuro próximo. Sem um financiamento robusto para apoiar a transição ecológica, os agricultores podem continuar presos a práticas menos sustentáveis. O setor pecuário recebe atenção especial nesta Visão, com a promessa de uma estratégia a longo prazo para criar uma “cadeia de produção de excelência”. Contudo, o documento não aborda dois pontos críticos: a necessidade de reduzir fertilizantes sintéticos e a implementação de políticas que garantam acesso a alimentos mais saudáveis e sustentáveis para todos.

A revisão da Diretiva Europeia sobre Contratação Pública é anunciada como um passo positivo, mas é preocupante que esta seja a única proposta concreta que aborda educação alimentar e dietas. Num momento em que a crise climática e os desafios nutricionais estão no centro das preocupações globais, a ausência de medidas mais sistémicas, que vão para além do setor público, é um sinal de que a Comissão não está a dar prioridade à transição alimentar.

A Visão reconhece a necessidade de reduzir as emissões do setor agropecuário e propõe um “conjunto de medidas personalizadas” para apoiar a competitividade e a resiliência deste setor. No entanto, a abordagem climática permanece superficial, considerando que o setor representa 11% das emissões totais da UE e que pouco progresso foi feito nas últimas décadas. Também menciona o Quadro para a Certificação de Remoção de Carbono e Agricultura de Baixo Carbono como uma possível ferramenta de financiamento para agricultores, mas sem garantir mecanismos robustos contra a contagem dupla e a compensação fictícia de emissões. No que toca à proteção ambiental, além da aplicação da legislação existente (apesar de a Comissão não mencionar a Lei do Restauro da Natureza) e da introdução de algumas medidas de incentivo voluntárias, não são apresentadas medidas concretas para reduzir o uso de pesticidas e fertilizantes. Esta omissão é preocupante, especialmente quando a poluição por nitrogénio e a degradação da qualidade da água continuam a representar ameaças graves para a saúde pública e os ecossistemas.

A Comissão Europeia reconhece a necessidade de adaptação do setor agrícola para enfrentar o stress hídrico e a poluição dos recursos hídricos, prevendo a sua integração na Estratégia Europeia para a Resiliência Hídrica. Mas sem medidas concretas, esta proposta corre o risco de se tornar mais uma intenção vaga do que um compromisso efetivo.

A Visão para a Agricultura e Alimentação da UE apresenta alguns elementos positivos, mas carece de medidas concretas e de um compromisso claro para acelerar a transição para um sistema alimentar sustentável. A proposta de a PAC passar da condicionalidade para os incentivos levanta uma questão essencial: serão esses incentivos suficientemente atrativos e eficazes para garantir uma agricultura que respeite a natureza? Se a Comissão Europeia quer realmente construir um sistema alimentar mais justo e sustentável, precisa de uma abordagem mais ambiciosa e estruturada. Sem uma estratégia clara e objetivos vinculativos, esta Visão corre o risco de ser apenas mais um documento com boas intenções, mas sem impacto real na vida dos agricultores, consumidores e do planeta.

 
       
   
 

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