Artigo de opinião de Rita Sá, Coordenadora de Oceanos e Pescas da ANP|WWF
O polvo tem sido nos últimos anos o recurso pesqueiro mais importante no Algarve, tendo, em 2022, representado cerca de 45% do valor de primeira venda relativamente ao resto do país. A pesca do polvo está fortemente enraizada nesta Região: com uma grande componente cultural, garante alimento e sustento financeiro para as populações locais.
Para além dos problemas transversais a outras pescarias, como o envelhecimento dos profissionais e a falta de modernização, a sua gestão tem-se tornado difícil a cada ano devido às frequentes flutuações da espécie.
Como promover a sustentabilidade dos recursos pesqueiros como das próprias comunidades piscatória? Nesta última década, várias organizações de todo o país têm trabalhado em conjunto para implementar um modelo inovador: o da cogestão de pescarias.
Regra geral, as pescarias no nosso país têm tido uma gestão dita “centralizada”, na qual os Governos tomam “sozinhos” todas as decisões, promovendo ou não a auscultação de cientistas, outros especialistas ou até os pescadores. A cogestão vai bem mais além: quebra esta abordagem “cima para baixo” e implementa um modelo que implica o envolvimento de todos os intervenientes relevantes na tomada das decisões comuns à gestão de uma dada pescaria: pescadores, administração, municípios, comunidade científica, organizações ambientais, entre outros (abordagem “de baixo para cima”). O objetivo último deste modelo será o da gestão sustentável tanto da pescaria como dos recursos, contando para tal com um trabalho científico que é fundamental para o conhecimento das espécies pescadas, do seu stock e rastreabilidade. Num cenário ideal – mas não utópico – seria assim possível os pescadores pescarem menos (o que é melhor para os recursos e para a sua qualidade de vida) e ganharem mais (o que é melhor em termos socio-económicos).
Depois de muitos anos de trabalho, capacitação, diálogo e negociação entre todas as partes interessadas, a comunidade piscatória do Algarve uniu-se. Mais de 75% dos titulares de licenças para as artes de pesca (representando mais de 600 em 800 licenças) dirigidas a este recurso, concordaram com a criação de um Comité de Cogestão, oficializado este mês de março em Diário da República, numa mobilização histórica e corajosa da comunidade. Este será o segundo comité de cogestão de uma pescaria em Portugal – sendo o primeiro o da Cogestão da Apanha de Percebe na Reserva Natural das Berlengas – que ganha um relevo especial por ser o maior e mais representativo órgão decisório de pesca do país.
Este avanço-chave resulta do projeto ParticiPESCA – liderado pela ANPlWWF em parceria com o IPMA, o CCMAR e EDF, financiado pelo PROGRAMA OPERACIONAL MAR 2020 e cofinanciado pela Fundação Oceano Azul, cujo apoio foi também crucial para assegurar todo o processo de recolha de assinaturas –, que tinha precisamente como objetivo lançar as bases para a implementação de processo de cogestão para esta pescaria.
Este foi e continuará a ser um longo processo, mas podemos já dizer sem quaisquer dúvidas que a história da pesca do polvo do Algarve é hoje uma história de união, compromisso e esperança. Fica aqui mais um exemplo de como podemos trabalhar em conjunto para construir um futuro mais sustentável para os oceanos e para as pessoas que deles dependem.
Agricultura e Mar