Artigo de opinião de Vasco da Silva, Coordenador de Florestas e Vida Selvagem da ANP|WWF
O início de agosto ficou marcado por vários incêndios com danos consideráveis: só nos primeiros dias, cerca de 120 concelhos do interior Norte e Centro e da região do Algarve estavam em perigo máximo de incêndio. Hoje, contamos com um total de 18 ocorrências, que envolvem mais de 300 meios de combate, incluindo operacionais. Mas nos próximos dias agravar-se-á o perigo de incêndio nestas regiões do país.
Desde o início do ano, mais de 6.000 ocorrências resultaram em 27.802 hectares de área ardida, o equivalente a quase 28 mil campos de futebol. Em 2021, Portugal foi o 4.º país europeu que teve mais incêndios e área de floresta ardida, e tem vindo quase sempre a liderar com a maior área ardida desde 2016. E apesar de nos últimos 20 anos o número de incêndios em Portugal e na Europa mediterrânica ter vindo a diminuir, a área ardida não reflete esse decréscimo, já que ardeu mais área devido a estes intensos fogos, muito difíceis ou impossíveis de extinguir.
Os incêndios florestais são catástrofes naturais graves que, verão após verão, devastam o nosso território colocando em risco as pessoas, os bens e o nosso património natural. O despovoamento das zonas rurais, a conversão do uso do solo agrícola para floresta intensiva ou simplesmente o abandono da gestão desta vegetação, ligados ao aumento da frequência de eventos climáticos extremos, fazem com que este risco seja cada vez mais elevado.
Quando pensamos em grandes incêndios, não podemos depositar todas as nossas esperanças nos mecanismos de combate e no aumento dos meios próprios anunciados nas vésperas dos períodos críticos. Não basta o trabalho louvável de todas as entidades e operacionais que dedicam a sua vida ao combate das chamas para chegarmos à verdadeira raiz do problema. Então, como minimizar a ocorrência e efeitos devastadores dos grandes incêndios florestais?
Décadas de trabalho e de gestão integrada da paisagem
A solução parece ser apenas uma: a prevenção, que não é imediata, resulta de vários anos ou décadas de trabalho e de gestão integrada da paisagem e é da responsabilidade do Governo, autarquias, proprietários e outras entidades e profissionais que executam Políticas e Planos Florestais. Sim, os grandes incêndios são florestais – a floresta é a classe de uso do solo que mais ardeu nos últimos 20 anos (mais de 50%), em solo rústico e na interface urbano-rural. A mudança da terminologia de “fogos florestais” para “fogos rurais” é escamotear o grave problema da nossa floresta. É preciso agir, numa ação coletiva, para inverter este cenário.
Como? Existem mecanismos para a promoção da resiliência, sustentabilidade e coesão do território. A chave é a adaptação da floresta às alterações climáticas através do planeamento e gestão, com políticas e incentivos económicos para diversificar a ocupação do solo para lá da instalação de povoamentos florestais que, sendo essenciais para o dinamismo económico das zonas rurais, não devem dominar o território. Ao promovermos uma paisagem em mosaico, isto é, com parcelas com diferentes usos agro-silvo-pastoris, estamos a criar uma paisagem mais resiliente aos grandes incêndios, evitando a perda de áreas de alto valor ecológico, prioritárias para a conservação da natureza, mas também diminuímos o risco de perda de bens e vidas humanas. Este ordenamento dos territórios rurais também é fundamental para aumentar a rentabilidade e potenciar as atividades económicas de pequenas propriedades, promovendo a justiça social e a cooperação entre proprietários, para atingir economias de escala e que sejam sustentáveis. Por outro lado, é ainda crucial haver maior consciencialização das populações para a importância das medidas preventivas na gestão de combustível, bem como na prevenção de comportamentos de risco e medidas de autoproteção.
Não deixa de ser lamentável ver que, com a aprendizagem dos incêndios catastróficos de 2017, continuamos à espera que os grandes incêndios não aconteçam ou que os consigamos deter
O Governo apostou nestas e noutras medidas estruturais para reverter o ciclo dos incêndios, mas não de forma contundente: o cadastro / identificação e registo de propriedades rústicas continua a depender da participação voluntária dos cidadãos no BUPi, a chamada “limpeza” dos espaços rurais e a criação de faixas não chega, é necessário mais fiscalização, mais incentivos económicos para atividades como o pastoreio e usos agrícola e florestal compatíveis com a conservação de espécies e habitats protegidos por lei em Portugal e a nível europeu, entre tantas outras.
A prevenção é possível mas tem de haver coragem política para a fazer com a devida velocidade a que a situação calamitosa obriga. Não deixa de ser lamentável ver que, com a aprendizagem dos incêndios catastróficos de 2017, continuamos à espera que os grandes incêndios não aconteçam ou que os consigamos deter. Num país em que mais de um terço do território é povoado por espaços florestais, o Governo tem a obrigação de zelar pela vida e bem estar das pessoas mas também preservar e valorizar os recursos que a floresta fornece, bem como a biodiversidade e os serviços dos ecossistemas que são bens comuns de todos e dos quais dependemos para subsistir.
Agricultura e Mar