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É possível diminuir metano sem abater 50% das vacas? Investigadores dizem que sim

Abater entre 30% e 50% do efectivo bovino até 2050. Foi esta a pretensão do ministro do Ambiente e Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes que, no início de Dezembro do ano passado, causou polémica, e revolta, entre os agricultores. E mesmo o ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, se mostrou contrário a tal medida.

Tudo isto a bem do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. Mas, vão os produtores portugueses querer abater metade do seu efectivo e produzir menos carne e leite? De certeza que não. E já há investigadores a provarem que tal não será necessário.

A solução parece estar no tratamento da alimentação animal, pelo menos através de sementes e farinha de girassol.

Uma equipa de investigadores da Universidade Politécnica de Madrid (UPM) conseguiu diminuir as emissões de metano e amoníaco geradas na digestão dos ruminantes graças ao tratamento prévio das proteínas da sua dieta.

Ou seja, segundo aqueles investigadores, modificar a dieta de forma controlada contribui para reduzir a contaminação ambiental que produz a digestão dos ruminantes. Isto é o que demonstra um trabalho levado a cabo por investigadores da UPM, que provou que o tratamento das proteínas da dieta, para diminuir a sua degradação no rúmen (pança), pode chegar a reduzir mais de 10% a emissão de metano produzido na fermentação ruminal.

Embora estes resultados tenham sido conseguidos in vitro e de se terem de confirmar in vivo, abrem possibilidades muito interessantes para o desenvolvimento de novas estratégias de nutrição animal que contribuem para a sustentabilidade do planeta.

Nutrição animal

A nutrição animal está em continuo desenvolvimento com o objectivo de aumentar tanto a eficiência alimentar como a produção e qualidade dos alimentos de origem animal. Tudo isto é necessário para satisfazer as necessidades crescentes da população humana.

A melhoria da nutrição é no entanto mais imperativa no caso dos ruminantes, ao gerar-se no seu processo digestivo quantidades importantes de metano, um gás com potente efeito de estufa, que representa também uma perda importante de energia para o animal. Por outro lado, os ruminantes têm uma baixa eficiência no uso do nitrogénio, pelo que excretam para o meio ambiente uma alta proporção do nitrogénio ingerido.

Perante a ideia tradicional de que a geração de metano no rúmen está basicamente condicionada pelas quantidades de fibra na dieta, estudos recentes do Grupo de Investigação de Produção Animal da Escola Técnica Superior de Engenharia Agronómica, Alimentar e de Bio-sistemas (ETSIAAB-UPM) demonstraram que este se produz também pela fermentação das proteínas.

Tendo em conta estes resultados, e com o objectivo de reduzir as emissões contaminantes que produzem aqueles animais, os investigadores da UPM estudaram os efeitos que produzem na digestão dos ruminantes o facto de minimizar os conteúdos de proteína digerível nas suas dietas, mas assegurando sempre um nível que não afecte negativamente o crescimento da população microbiana do rúmen. Para isso, aplicaram às proteínas da dieta tratamentos para provocar a sua desnaturalização, protegendo-as assim da degradação no rúmen.

Na hora de escolher o alimento mais adequado a aplicar no tratamento, os investigadores procuraram concentrados proteicos que tinham um elevado conteúdo na proteína altamente degradável e em aminoácidos essenciais.

A semente e a farinha de girassol apresentam estas características ao serem muito degradáveis e ricas em aminoácidos enxofrados e triptófanos. Isto, em conjunto a que em Espanha o nível de produtividade do girassol em condições de seca é alto, faz com que grande parte dos estudos realizados se centrem na semente e farinha de girassol.

O tratamento de protecção desenvolvido por aquele grupo de investigadores consiste em tratar o alimento proteico com uma solução ácida e calor. “O ácido málico é o que proporcionou melhores resultados e tem a vantagem de que é um ácido que também se utiliza como aditivo para melhorar a eficiência de uso dos alimentos” diz a investigadora da UPM Dolores Carro.

Simularam-se in vitro os processos digestivos que os alimentos experimentariam no rúmen. Para isso, formularam-se dietas com um nível moderado (13%) ou elevado (17%) de proteína que tinham como únicos concentrados proteicos sementes e farinha de girassol e se fizeram estudos de emissões após a digestão ruminal dos alimentos não tratados e após o tratamento com ácido málico e calor.

Segundo diz Dolores Carro, “os resultados demonstraram que, efectivamente, o tratamento do alimento reduziu a degradadibilidade da proteína do girassol e as perdas nitrogenadas em forma de amoníaco. Alem disso (…) “reduziu-se a produção de metano em 4,6% no caso de dietas com um baixo conteúdo proteico e em 10,8% para as dietas com um conteúdo elevado de proteína”.

Estes resultados devem confirmar-se em condiciones in vivo, mas abrem novas possibilidades para o desenvolvimento de estratégias de nutrição animal mais amigas do meio ambiente.

Esta investigação foi financiada por um projecto MINECO do Plano Nacional de Investigação (AGL212-31064).

Saiba mais sobre o tema aqui:

Haro, A.N., Carro, M.D., de Evan T., González, J. 2018. Protecting protein against rumen degradation could contribute to reduce methane production. Journal of Animal Physiology and Animal Nutrition 102: 1482-1487.
Vanegas, J.L., Carro, M.D., Alvir, M.R. and González, J. 2017a. Protection of sunflower seed and sunflower meal protein with malic acid and heat: effects on in vitro ruminal fermentation and methane production. Journal of the Science of Food and Agriculture 97: 350-356.
Vanegas, J.L., González, J., Alvir, M.R., Carro, M.D. 2017b. Influence of malic acid-heat treatment for protecting sunflower protein against ruminal degradation on in vitro methane production: a comparison with the use of malic acid as an additive. Animal Feed Science and Technology 228:123-131.

Ver também:

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