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Dia Nacional da Água – Como gerir a pouca água que temos

Artigo de opinião de Afonso do Ó, Especialista em Água da ANP|WWF

Assinalou-se no domingo, dia 1 de Outubro, mais um Dia Nacional da Água, novamente sob o signo de políticas erradas de gestão da pouca água que temos.

As secas fazem parte do clima mediterrânico que caracteriza Portugal, em particular o Sul do país. O atual contexto de alterações climáticas tem contribuído não só para uma redução da precipitação média, como para o agravamento da intensidade e duração dos períodos de seca – ou seja, o risco está sempre presente. Não podemos gerir os défices temporários de precipitação que definem as secas, mas podemos gerir a nossa exposição e vulnerabilidade a essa redução da disponibilidade de água. A gestão do risco é isto mesmo – preventiva e permanente – e não reativa e pontual.

De facto, não é por decreto que se consegue reduzir em 20% o uso de água para rega no Sotavento algarvio ou em qualquer outra região. É necessário fiscalizar e reduzir dotações (volume de água por hectare), o que não foi feito na prática

Mas não é isso que se verifica. O que se faz atualmente é pensar as políticas da água e tomar medidas quando já se instalou a situação de crise decorrente dos impactos da seca. Foi o que aconteceu neste verão quando o Governo anunciou algumas medidas de resposta de emergência para a seca no Algarve, em modo “penso rápido” que não resolvem os problemas estruturais da região.

Desde logo foi anunciada a fiscalização de emergência para 2 dos 17 sistemas aquíferos do Algarve, quando isso deveria ser a rotina em todos os aquíferos do País. As ilegalidades e abusos detetados só mostram a impunidade com que se gasta água onde ela escasseia. De facto, não é por decreto que se consegue reduzir em 20% o uso de água para rega no Sotavento algarvio ou em qualquer outra região. É necessário fiscalizar e reduzir dotações (volume de água por hectare), o que não foi feito na prática.

Por outro lado, importa também mencionar que, para o Governo, a gestão da procura da água (ou seja, dos seus usos e consumos) continua a ser descurada face à contínua aposta no reforço da oferta (ou seja, no aumento das infraestruturas de captação e retenção de água, com todos os custo económicos e ambientais que acarretam).

Como exemplo, no âmbito do Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve, os montantes aplicados na redução de perdas nas redes de abastecimento urbano e agrícola (20 M€) ou na reutilização de águas residuais (6 M€) são significativamente inferiores quando comparados com os investimentos aprovados para a construção da dessalinizadora em Albufeira (50 M€), ou para o reforço da albufeira de Odeleite a partir da captação do Guadiana no Pomarão (62M€, medida aliás ilegítima à luz do direito internacional em vigor).

Também continuamos a assistir a uma deficiente implementação dos principais instrumentos públicos de gestão da água, o que só agrava os impactos das secas e promove a insustentabilidade na utilização deste cada vez mais precioso recurso natural. Exemplos disso são: o atraso (e quase abandono) do Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água, que aguarda revisão desde 2015, e a desatualização e lacunas do Regime de Caudais acordado entre Portugal e Espanha no âmbito da Convenção de Albufeira, o que tem resultado na violação desse instrumento por ambos os países no que diz respeito à gestão da água no Baixo Guadiana.

Prevenir os impactos da seca implica pensar a política de gestão da água também (e sobretudo) nos períodos em que este recurso é mais abundante. Uma gestão sustentável da pouca água de que dispomos implica corrigir as lacunas referidas, tanto a nível da gestão e resposta ao risco de seca, como dos instrumentos e políticas de governança da água.

Não é a construção de novas infraestruturas e barragens (com grande probabilidade de ficarem vazias a maior parte do tempo, a estimular o aumento dos consumos, e acarretam graves impactos ambientais) que será a solução. A solução passa por medidas concretas como limitar a procura em sistemas de abastecimento já em situação de escassez, incentivar a diversificação e complementaridade de origens, e, acima de tudo, investir transversalmente em soluções baseadas na Natureza e no restauro dos sistemas fluviais, recuperando os ecossistemas e o bom funcionamento dos serviços que estes prestam a todos – entre os quais o fornecimento de água de qualidade.

Estas medidas de gestão requerem muito trabalho e esforços de articulação entre vários intervenientes e podem ter maiores custos administrativos e organizativos, – mas têm custos económicos muito menores para o bolso dos contribuintes e também custos ambientais muito menores para os ecossistemas que nos sustentam.

Agricultura e Mar

 
       
   
 

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