Artigo de opinião de Tiago Luís, Coordenador de Alimentação da ANP|WWF
É inegável o consenso científico existente sobre o enorme impacto que a atual produção e consumo de alimentos tem na natureza – os atuais sistemas alimentares são a maior ameaça à conservação da natureza e à saúde humana. Os sistemas alimentares podem ser comparados a um grande puzzle que, atualmente, tem muitas peças “soltas”. Esse “puzzle desorganizado” gera um grande impacto negativo nas pessoas e no planeta, mas, se conseguirmos encaixar corretamente todas as peças, o resultado terá um impacto extremamente positivo, contribuindo para a solução de diversos problemas globais, como as alterações climáticas, a perda de biodiversidade, a redução de custos ocultos e explícitos, além de promover maior justiça social.
A produção de alimentos é a principal responsável pela destruição de habitats e perda de biodiversidade, utilizando 70% da água doce disponível globalmente e contribuindo para mais de 25% das emissões de gases de efeito estufa. Com 40% das terras habitáveis dedicadas à alimentação, 71% são utilizadas para pastagem de gado, evidenciando a ineficiência dos sistemas alimentares atuais. A diversidade na produção e consumo de culturas vegetais e de animais também tem diminuído drasticamente nas últimas décadas, concentrando a produção global em poucas espécies, o que aumenta a vulnerabilidade perante eventos climáticos extremos. Além disso, a pesca e a aquicultura têm degradado significativamente os ecossistemas marinhos.
A trajetória dos sistemas alimentares como a conhecemos hoje é insustentável, comprometendo a segurança alimentar global. Apesar da produção recorde, 735 milhões de pessoas passam fome, enquanto as taxas de obesidade aumentam, com 43% dos adultos acima do peso. Os custos ocultos relacionados à saúde e à degradação ambiental causados por esse sistema representam quase 12% do PIB global.
Contudo, e apesar de todos os impactos acima enumerados, os sistemas alimentares podem muito bem ser a principal solução para múltiplas crises enfrentadas pela humanidade. Nos últimos anos, esta questão começou a entrar progressivamente na agenda política, mas ainda existem muitas lacunas em termos de ambição, estratégia e implementação. Sabemos que a alimentação é moldada pela cultura, pelo património e pelos contextos locais. Assim, para produzir um impacto que beneficie os consumidores, os produtores e o planeta, e já que não existe um conjunto único de ações que possa ser aplicado a nível mundial, é necessário identificar as soluções prioritárias para cada local, que sejam mais eficazes, impactantes e permitam acelerar a transição dos sistemas alimentares atendendo ao seu contexto.
A WWF publicou este mês um estudo global onde analisou mais de 100 países e classificou-os em seis tipos de sistemas alimentares diferentes, com base nas suas características ambientais e socioeconómicas, propondo ações de maior impacto para cada um deles. A inclusão de variáveis ambientais distingue este estudo de outros estudos que recorreram ao uso de tipologias de sistemas alimentares. É fundamental que este tipo de variáveis sejam consideradas, dado o impacto generalizado dos sistemas alimentares na natureza e a total dependência que aqueles têm relativamente à saúde dos ecossistemas e biodiversidade locais.
Foi com base no estudo internacional da WWF que a ANPlWWF publicou, paralelamente, um conjunto de 10 recomendações políticas onde identifica as ações prioritárias para Portugal, tendo em vista não apenas o cumprimento das obrigações e compromissos já assumidos pelo governo português mas também, e sobretudo, com vista à aceleração da transição alimentar tão urgente e necessária no nosso país. As recomendações elencadas abordam áreas centrais como a gestão dos recursos naturais, governação e instituições, educação e conhecimento, tecnologia e finanças.
Agricultura e Mar