Opinião de Miguel Martins, membro da Comissão Executiva do Partido Ecologista Os Verdes (PEV)
Década e meia depois dos primeiros concursos lançados para a implementação de centrais elétricas a biomassa florestal pode-se fazer um balanço, embora simplista, dos argumentos colhidos para o lançamento e fomento destas grandes centrais, bem como os supostos objetivos de sustentabilidade.
Em primeiro lugar, salta à vista a localização de algumas unidades, como a do Fundão, incompatível com a qualidade de vida da população que protesta contra os insuportáveis impactos negativos: ruído; poeiras; fumos; e, até, numa primeira fase, excesso de iluminação.
Importa abordar a suposta energia “limpa” que é produzida neste modelo de centrais de biomassa. Desde logo, falamos da queima de biomassa e como tal, esta produção não é inócua, pela libertação de gases com efeito de estufa, designadamente o dióxido de carbono
Em segundo, no que toca aos incêndios não tem existido uma correlação mínima com a prevenção de fogos, quando à partida, se previa que este tipo de centrais fossem alimentadas mormente por sobrantes florestais. Porém, muita da biomassa consumida pelas centrais é madeira de qualidade e não sobrantes, matéria-prima que poderiam ter outro tipo de fins mais nobres.
Aliás, inversamente aos objetivos iniciais de prevenção de fogos, as centrais têm fomentado a plantação de espécies energéticas e de crescimento rápido como é o caso do eucalipto, espécie propícia à propagação e dimensão dos incêndios.
Em terceiro lugar, o argumento colhido de permitir rendimento aos proprietários também deixou de o ser. Em particular, a partir de 2017, após os grandes incêndios, apesar da legislação advir de 2006, foram redobradas as restrições no âmbito da prevenção de incêndios obrigando os proprietários a proceder à gestão de combustíveis. Em vez de rendimento, os proprietários têm hoje de pagar valores exorbitantes para retirarem a biomassa e os sobrantes dos seus terrenos.
Em quarto lugar, não existindo nenhum mecanismo que rastreie a proveniência e o tipo de biomassa florestal, também não há uma monitorização ecológica da biomassa retirada, que pode afetar qualidade dos solos ao nível da quantidade de nutrientes disponíveis para a vegetação e contribuir para a própria erosão do solo, comprometendo a biodiversidade e o equilíbrio do ecossistema.
Por último, importa abordar a suposta energia “limpa” que é produzida neste modelo de centrais de biomassa. Desde logo, falamos da queima de biomassa e como tal, esta produção não é inócua, pela libertação de gases com efeito de estufa, designadamente o dióxido de carbono. Contudo, importa refletir sobre o consumo de combustíveis fósseis.
A maquinaria utilizada para destroçar a biomassa in loco necessita aproximadamente de um consumo médio de 240 litros de gasóleo, por cada hectare. Acresce o combustível de outras máquinas como motos-serras e tratores, bem como o seu transporte em camião, veículo que gasta sensivelmente 40 litros / 100km. Em média para transportar a biomassa de um hectare são necessários 5 camiões.
Porventura se fizermos as contas, por alto, verifica-se que por cada hectare são necessários na ordem dos 650 litros de gasóleo, excluindo a energia despendida pela própria central para a combustão.
Embora as centrais a biomassa possam ter uma função importante, o modelo existente fica muito aquém da sustentabilidade ambiental e económica desejável. O modelo atual, tem de ser reformulado: forma de financiamento; tipo de biomassa consumida (apenas residual); a avaliação / monitorização dos ecossistemas de proveniência; e substituição de grandes centrais, por unidades de pequena dimensão de proximidade aos espaços florestais evitando custos (consumo de combustíveis fosseis e libertação da gases com efeitos de estufa).
Neste sentido, Os Verdes apresentaram no Parlamento, em 2020, uma resolução a recomendar ao Governo a reformulação do modelo de apoios públicos a atribuir às centrais de biomassa florestal em função da sua sustentabilidade, que viria a ser aprovada, e fizeram aprovar uma proposta, no Orçamento do Estado para 2021, incumbindo ao Governo a realização de um estudo de forma a avaliar o modelo, implementação, funcionamento, viabilidade e sustentabilidade das centrais a biomassa florestal, no qual deve constar de forma detalhada a biomassa florestal residual disponível por região.
Biomassa: a urgência de uma reflexão séria e de um novo paradigma para o modelo das centrais.
Agricultura e Mar