Artigo de opinião do site A Cientista Agrícola
Autor do artigo: José Pena, Técnico Superior de Mecanização e Automação Agrícola
A adesão de Portugal a UE e o investimento em máquinas e tractores agrícolas
A adesão de Portugal à Comunidade Europeia caracterizou-se nos primeiros anos por dois aspectos essenciais nos sectores agrícola, pecuário e florestal: o decréscimo acentuado nos preços reais da maioria dos produtos e um enorme crescimento do investimento. No período pós-adesão, as medidas sócio estruturais apoiaram o investimento em tractores agrícolas, máquinas e equipamentos,permitiu a mecanização das principais tarefas e o aumento da produtividade do trabalho, (Avillez, 1992).
Número de acidentes com tractores agrícolas tem aumentado
Em Portugal o número de acidentes de trabalho nas actividades agrícolas/florestais tem aumentado todos os anos, e com isso o número de vítimas, quer ligeiras quer mortais.
Acompanhando a imprensa são vistas noticias que relatam estes acontecimentos e “todas as semanas ou morre uma pessoa ou fica ferida e com incapacidade para exercer a actividade. Cada vez mais acontecem este tipo de acidentes“, alerta Isabel Santana (2017).
Ao longo dos anos têm vindo a apurar-se as responsabilidades sociais para solucionar o problema e realizadas sessões de esclarecimento que pretendem promover a formação dos agricultores, elucidar as boas práticas e melhorar a segurança na utilização das máquinas e veículos agrícolas.
Ano | Acidentes com veículos agrícolas | Condutores de veículos agrícolas (mortos) | Passageiros de veículos agrícolas (mortos) | |
Número | Vítimas mortais | |||
2000 | 340 | 42 | 28 | 5 |
2001 | 374 | 38 | 24 | 4 |
2002 | 383 | 38 | 23 | 4 |
2003 | 232 | 27 | 22 | 1 |
2004 | 358 | 36 | 29 | 2 |
2005 | 367 | 43 | 26 | 3 |
2006 | 316 | 38 | 35 | 1 |
2007 | 340 | 34 | 26 | 2 |
2008 | 276 | 30 | 23 | 4 |
2009 | 289 | 28 | 24 | 3 |
2010 | 301 | 26 | 20 | 3 |
2011 | 295 | 29 | 26 | 1 |
2012 | 277 | 22 | 19 | 3 |
2013 | 287 | 19 | 13 | 1 |
TOTAL: | 4435 | 450 | 338 | 37 |
Fonte: elaboração própria com base em dados da ANSR |
Acidentes de trabalho com tractores agrícolas e máquinas
As máquinas e os tractores agrícolas/florestais são responsáveis pela maioria dos acidentes de trabalho agrícolas/florestais, sendo Portugal um dos países da Europa com mais acidentes com tractores.
Estes são veículos que já por si requerem perícia no seu manuseamento e desde logo apresentam perigos associados: dado ter aproximadamente 65% do peso no eixo traseiro e 35% no eixo dianteiro, a diferença de peso entre os dois eixos potencia o capotamento do veículo, por exemplo.
Tendo em conta o envelhecimento da população portuguesa na sua globalidade e extraindo desse facto que a maior parte dos trabalhadores agrícolas apresentam idades avançadas, explica-se assim a falta de sensibilização para questões de segurança e a dificuldade de mudar comportamentos na comunidade agrícola. Podemos afirmar que a grande maioria das vítimas pertencem a microempresas e são maioritariamente do sexo masculino e que os sinistros ocorreram sobretudo em caminhos rurais e parcelas agrícolas/florestais privadas, sendo recorrente os acidentados acusarem álcool no sangue, com uma taxa igual ou superior a 0,5 g/l.
Principais causas dos acidentes com tractores agrícolas e máquinas agrícolas
Fonte da imagem: Alive FM 89.9 FM
Entre as principais causas dos acidentes com tractores e máquinas agrícolas/florestais destaca-se:
-
Mau uso dos equipamentos:
-A idade útil assim como seu estado de conservação de tractores e máquinas agrícolas/florestais diminui com o zelo e brio que o seu proprietário e ou operador lhe submete;
-Falta de manutenção dos tractores e máquinas agrícolas/florestais;
-Inutilização dos travões dos pés;
–Não utilização das estruturas de segurança como o arco de “Santo António” ou o cinto de segurança;
–Ausência das protecções adequadas no veio de transmissão de força (ex: cardan) ou partes móveis de máquinas;
-Alterações ou adaptações de máquinas para trabalhos ou condições de utilização não previstas pelo fabricante.
-
O condutor ou manobrador e utilizador:
-Idade (mais idade induz a mais confiança de operação, não sendo reflectida a menor agilidade);
-Falta ou falência de formação;
-Apresenta cansaço acumulado ou sonolência;
-Realiza operação e/ou condução com excesso de confiança;
-Realiza operação e/ou condução com excesso de velocidade;
-Pratica comportamentos de risco e proibidos como a condução sob efeito de álcool;
-Mostra serviço agrícola (aproveitamento de todo o espaço da parcela como os cabeçalhos beiras que aumentam o risco de quedas)
-Descuida e erra na operação e/ou condução com o surgimento de trabalhos exigentes e de realização obrigatória;
-Sobreavalia os riscos relacionados com a inclinação do terreno ou a carga transportada.
-
Riscos associados:
-Reviramento lateral do tractor ou do conjunto tractor máquina agrícola/florestal;
-Reviramento traseiro (empinamento) quando o tractor fica descompensado com o peso da máquina acoplada na sua traseira;
-A queda em altura no acesso ao habitáculo do tractor ou máquina agrícola/florestal;
-Corte com material cortante (ex: facas de fresa);
-Choque ou impacto em operações manuais (ex: fecho dos taipais de semi-reboques);
-Enrolamento e apreensão de vestuário no veio de transmissão de força (ex: cardan) ou partes móveis de máquinas (carretos, correias, correntes);
-Atropelamento durante a circulação de tractores ou engate de máquinas agrícolas/florestais;
-Projecção de peças que eventualmente se partam (ex: correntes de corta-matos ou facas de gadanheiras rotativas);
-
Factores económicos:
-Parque de máquinas envelhecido sobretudo nas classes de menor potência do motor.
-Custos com equipamentos de segurança;
-
Factores externos:
-Presença de crianças, idosos e mesmo pessoas sem função aparente em locais de trabalho e operação de máquinas e tractores agrícolas/florestais.
-Tractores e máquinas agrícolas/florestais; tendencialmente associados a explorações de pequena/média dimensão (minifúndio);
Fonte da imagem: TVI24 – IOL
Com a publicação do Decreto-Lei n.º151/2017, tornou-se obrigatório que todos os condutores de tractores da categoria 2 e 3, para além da habilitação legal para conduzir (carta de tractores ou máquina agrícola/florestal;), tenham formação adequada para a operação com veículos agrícolas.
A Condução e Operação de Tractores em Segurança (COTS), quando é lançada, tem como objectivo alertar para os riscos inerentes à condução de tractores e máquinas agrícolas além de aconselhar como prevenir os acidentes de trabalho, pretendendo reduzir a principal causa de morte no sector. A formação, ministrada por entidades acreditadas, é obrigatória para a condução de tractores e máquinas agrícolas/ florestais e será essencial na mudança de comportamentos por parte dos agricultores quanto aos riscos e perigos associados.
Medidas preventivas para evitar acidentes agrícolas
Atendendo a que a maioria dos acidentes envolve a utilização de tractores e de máquinas agrícolas/ florestais, é fundamental adoptar medidas preventivas relativas:
-
Ao sector:
-Dinamizar campanhas de educação e sensibilização sobre segurança em tractores e de máquinas agrícolas/ florestais;
-Avaliar incentivos à modernização do parque de tractores e de máquinas agrícolas/ florestais a nível nacional;
-
Uso do tractor:
– Adequar a velocidade às condições de trabalho (peso/características da alfaia) ou de condução (adequação ao trajecto);
-Usar o motor como travão em declives, seleccionando a velocidade antes de
iniciar a descida (evita reduzir ou travar a meio do declive);
-Arrancar suavemente, travar progressivamente;
-Promover a estabilidade do tractor (lastragem e alargar a bitola do tractor);
-Circulação em estrada com os pedais de travão de pé ligados;
-Evitar trabalhar com o tractor nas proximidades de socalcos, covas ou cursos de água, que devido à instabilidade podem desmoronar;
-Deixar espaços suficientes para manobras seguras nas cabeceiras;
-
Adequar no tractor:
–Realizar manutenções regulares quando este está totalmente desligado e imobilizado;
-Colocação de um sistema de retenção (aplicação de cintos de segurança);
-Introduzir luz avisadora de marcha-lenta (pirilampo);
-Colocação de espelhos retrovisores.
–Equipar estruturas de segurança homologadas, como um arco (rebatível ou não), um quadro (por vezes com uma capota), ou uma cabina (estrutura de segurança mais complexa e sofisticada).
-Na aquisição de uma máquina nova esta deve trazer manual de instruções (redigido em português) e deve ser revista a marcação CE na máquina e a Declaração de Conformidade CE do fabricante.
– Embora em Portugal não exista a obrigatoriedade de inspecção periódica de tractores agrícolas, a Directiva n.º 2014/47/EU veio alargar a obrigação de inspecção aos tractores de rodas utilizados principalmente na via pública, com velocidade máxima de superior a 40 km/h;
Fonte da imagem: Dão e Demo
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Uso dos equipamentos:
-Adequar protecções no veio de transmissão de força (ex: cardan) ou partes móveis de máquinas, além de adaptar os veios no comprimento adequado, encaixar os picoletes correctamente e fixar as correntes das protecções;
-Realizar manutenções regulares quando estes estão totalmente imobilizados;
-Ter em atenção a forma de condicionamento das cargas além do seu peso e características (ex: fardos de palha);
-Fixar as alfaias agrícolas/florestais nos pontos de engate próprios, fixando-as com as cavilhas de segurança;
-Utilização cautelosa de alfaias agrícolas/florestais que provoquem a subida do centro de gravidade do trator (ex: carregador frontal);
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Local de trabalho
-Melhorar os acessos e caminhos aos locais de trabalho além de adequar a sua sinalização;
-Redobrar os cuidados nos trabalhos em zonas com declive, com valas ou taludes;
-Afastar todas as pessoas não necessárias da máquina ou tractor
-
Condutor ou manobrador e utilizador:
-Ser informado e alertado sobre riscos;
-Obter formação e treino de operação dos equipamentos além de fazer por cumprir as regras e procedimentos de trabalho;
-Realizar o planeamento antecipado da tarefa a executar;
-Adequar o vestuário de acordo com as funções a realizar;
-Avaliar as condições do terreno onde a máquina vai operar;
-Não transportar pessoas no tractor ou máquina;
-Fazer uso das pegas de apoio quando sobe e desce do tractor ou máquina;
-Adaptar-se aos comandos do tractor e máquinas;
-Efectuar uma paragem de 15 minutos a cada 2 horas de trabalho;
A actual crise económica, social e financeira não permite investir de modo a reverter o envelhecimento do parque de tractores, assim como a sensibilização e formação não consegue ter a eficácia total nos operadores, sobretudo os de idade mais avançada.
O baixo nível de formação em Segurança e Saúde no Trabalho (SST) e o desinteresse ao longo dos anos em investir na melhoria nos métodos de condução e utilização dos tractores e máquinas agrícolas/florestais assim como a exposição ao risco com o transporte de passageiros e a condução sob o efeito do álcool tem vindo a aumentar a gravidade e extensão acidentes de trabalho no sector agrícola e florestal.
A consciencialização dos problemas e causas de sinistros além do compromisso de tomada de atitudes responsáveis contribui para a diminuição da sinistralidade em ambiente agrícola.