Artigo de opinião do site A Cientista Agrícola
Autora do artigo:Ana Lúcia Pereira, Mestre em tecnologia e ciência alimentar
Será a utilização de insectos na alimentação animal uma realidade?
Tendências mundiais
As tendências para 2050 perspectivam um crescimento da população mundial para 9 biliões de pessoas, tendo como consequência o aumento da produção de alimentos, tanto para humanos como para animais.
Isto resultará numa pressão ainda maior sobre o meio ambiente, sendo previsível a escassez de recursos agrícolas, hídricos, florestais, de pesca e biodiversidade, bem como de nutrientes e energias não renováveis.
De acordo com a Federação Internacional da Indústria de Rações, a produção global de compostos para rações animais atingiu os 720 milhões de toneladas em 2010.
A maior parte da área agrícola do nosso planeta é destinada à produção de alimentos compostos para animais, não sendo expectável que os aumentos requeridos na produção animal sejam acompanhados por um correspondente aumento na produção de ingredientes para a alimentação animal.
Se considerarmos as principais fontes proteicas da alimentação animal, como a soja, este desafio agrava-se, uma vez que a Europa depende da sua importação e, portanto, está dependente das flutuações de preço e procura no mercado mundial. Além disso, a sua produção intensiva faz deste ingrediente uma fonte nutricional pouco sustentável.
Insectos na alimentação animal
Os insectos com maior potencial imediato para uma aplicação em larga escala são as larvas da mosca soldado negro, as larvas da farinha amarela, e a mosca comum, mas outras espécies têm vindo a ser investigadas para o propósito de suplementação em rações para animais, como por exemplo grilos, térmitas, vespas, abelhas, formigas, entre outros.
Produtores na China, África do Sul, Espanha e Estados Unidos já produzem grandes quantidades de moscas para rações para aquacultura e avicultura, através da bio conversão de resíduos orgânicos.
Vantagens
Uma das primeiras observações a fazer no que diz respeito aos insectos e sua aplicação na alimentação animal é que eles não são alimentos novos para os animais, nomeadamente para as aves, uma vez que os insectos fazem parte das fontes alimentares naturais de muitas aves. As galinhas, por exemplo, apanham insectos e larvas dos solos por onde andam.
De um ponto de vista técnico-científico, a investigação tem demonstrado que o valor nutricional dos insectos é, no mínimo, comparável ao dos principais ingredientes utilizados nas rações. Os insectos contêm proteína de alta qualidade (cujos níveis variam entre 55 e 75%), vitaminas, aminoácidos e ácidos gordos importantes.São também ricos em fibras e micronutrientes, como o cobre, o ferro, o magnésio, o fósforo, o selénio e o zinco.
Além disso, os insectos têm uma boa taxa de conversão alimentar, ou seja, necessitam de pouco alimento para crescerem muito. A sua reprodução e crescimento são rápidos, e os recursos (alimento e água) e espaço necessários são muito baixos, o que se torna mais económico e sustentável. Também as emissões de gases com efeito de estufa e amónia são reduzidas.
A produção de alimentos a partir de insectos poderá desempenhar um papel muito importante na criação de uma cadeia alimentar circular. Os insectos conseguem crescer nos subprodutos e fluxos residuais do sector agro-alimentar e da produção primária. Deste modo, poderão contribuir também para uma pecuária sustentável.
Algo ainda digno de nota é o facto de os insectos serem constituídos por quitina, um polissacarídeo presente no seu exoesqueleto, que parece ter um efeito positivo no funcionamento do sistema imune. Deste modo, o emprego de antibióticos na indústria da carne de aves também pode ser diminuído.
A utilização de insectos na alimentação está ainda alinhada com a economia circular (conheçam o conceito no artigo “Aproveitamento de subprodutos da indústria agroalimentar para alimentação animal” escrito pelo Eng.º de Produção animal Mário Pereira).
Os insectos, para além de eles próprios serem um ingrediente e constituírem uma fonte proteica na alimentação animal, contribuem para a valorização de subprodutos da indústria agro-alimentar.
Na produção vegetal ocorrem muitas perdas, pelo que a valorização dos seus subprodutos poderá ser uma fonte alternativa para os animais. No entanto, a sua estabilidade é reduzida, estando muito suscetíveis à degradação; além disso, são nutricionalmente desequilibrados e pouco ricos em proteína.
Surge assim a necessidade de converter os subprodutos vegetais em produtos estáveis e interessantes nutricionalmente.
Os insectos são eliminadores naturais, capazes de reduzir o material em decomposição e de converter a matéria orgânica em proteína e gordura. Os insectos funcionam assim como bioconversores, que transformam subprodutos diversos e pouco estáveis em matéria-prima de elevado valor biológico, dando origem a fontes proteicas sustentáveis que podem ser aplicadas na nutrição animal.
Além disso, também contribuem para a compostagem destes subprodutos, produzindo fertilizantes orgânicos que mais tarde são novamente utilizados nos campos agrícolas, fechando-se assim o ciclo.
Legislação europeia
Desde 2017, a utilização de insectos em ração para peixes de aquacultura é permitida na Europa. Antes disso, os insectos podiam ser administrados em alimentos direccionados a alguns animais de estimação, como répteis, e após o processamento da sua gordura, podiam também ser incorporados em rações para porcos e frangos, mas não em aves de criação. A longo prazo, é expectável que o insecto inteiro ou seus produtos, como as proteínas, sejam aprovados como alimentos para todo o tipo de animais.