O Governo Regional dos Açores, através da Secretaria Regional do Mar e das Pescas, manifesta publicamente o seu “profundo desagrado e preocupação” com a recente proposta apresentada pelo Partido Socialista dos Açores (PS/Açores), que visa alterar a Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores (RAMPA) para permitir a pesca de atum de salto e vara em áreas de protecção total.
“Esta iniciativa representa um retrocesso significativo na protecção dos recursos marinhos da Região e coloca em risco os compromissos assumidos pela Região e pelo País no âmbito da conservação ambiental e da sustentabilidade dos ecossistemas marinhos, a nível internacional”, refere uma nota de imprensa do Executivo açoriano.
Pelos padrões internacionais, as áreas marinhas de protecção total “são incompatíveis com qualquer tipo de extracção, tendo sido criadas com o objectivo de proteger ecossistemas sensíveis e garantir a regeneração natural das espécies marinhas, contribuindo para o equilíbrio ecológico e para a sustentabilidade das pescas a longo prazo. Ou seja, as áreas marinhas de protecção total são no interesse da indústria pesqueira”, realça a mesma nota.
Importa referir, desde já, que “a RAMPA prevê, além das áreas de protecção total, áreas de protecção alta, onde é permitida actividade de salto e vara. Sendo o salto e vara apenas proibido nas áreas de protecção total (as únicas que são designadas como “Reservas”), o impacto na frota dos atuneiros é praticamente nulo. Aliás, nos últimos anos, os registos destas embarcações, que possuem sistemas de posicionamento (AIS ou MONICAP), revelam que a utilização das futuras reservas é residual. Apenas a reserva das Formigas registou alguma actividade, onde a maior percentagem de utilização, por uma embarcação, não atingiu os 10% de esforço de pesca anual”.
Adicionalmente, “embora a arte de salto e vara seja bastante sustentável e dirigida, não é correcto afirmar que esta pesca não tem impacto nas reservas. A pesca de grandes predadores, como o atum, que se alimenta de peixes pelágicos mais pequenos, lulas (cefalópodes) e crustáceos, produz alterações em toda a teia trófica, provocando desequilíbrios nas populações em todo o ecossistema”, salienta o Executivo açoriano.
Por outro lado, frisa, “o atum também é uma presa de tubarões e de mamíferos marinhos, e conhecem-se as suas complexas interacções com aves marinhas, tubarões-baleia e mamíferos marinhos. Assim, ao pescar atum nas áreas marinhas totalmente protegidas não estamos apenas a introduzir alterações na população de atuns especificamente, mas a produzir efeitos em todo o ecossistema”.
Desta forma, “a proposta do PS compromete directamente os objectivos de conservação ao permitir actividades pesqueiras, mesmo que selectivas, dentro destas áreas”, garante o Governo Regional.
Os Açores têm sido reconhecidos internacionalmente como “um exemplo na conservação e gestão sustentável dos recursos marinhos. A implementação da nova RAMPA colocou a Região na vanguarda da protecção oceânica, alinhando-se com metas globais estabelecidas por iniciativas como a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) e os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Um dos principais objectivos é proteger pelo menos 30% do oceano até 2030, garantindo que uma parte seja dedicada à conservação integral”.
Proposta do PS põe em causa os esforços regionais
Para o Executivo açoriano, “a proposta do PS não só põe em causa os esforços regionais, como também coloca em risco a credibilidade internacional dos Açores, enquanto líder na protecção marinha. Alterar as regras das áreas de reserva total para acomodar interesses específicos revela uma flexibilização das políticas ambientais em detrimento da conservação, comprometendo os compromissos assumidos junto de parceiros internacionais e organizações ambientais.
Além disso, a RAMPA “beneficia actualmente de um apoio financeiro superior a 10 milhões de euros ao longo dos próximos cinco anos, garantido pelo protocolo entre o Governo Regional dos Açores e os seus parceiros do programa Blue Azores. Este financiamento, crucial para a implementação efectiva das áreas marinhas protegidas, está comprometido se a integridade da RAMPA for violada”.
A par deste financiamento, está previsto o Fundo Ambiental compensar as perdas de rendimento inerentes à RAMPA, tendo já sido publicado um montante de 1,5 milhões de euros disponíveis para o ano de 2025 (Despacho n.º 3495-C/2025, de 19 de Março, publicado no Diário da República, n.º 55, Suplemento, Série II, de 19 de Março de 2025). De igual forma, a alteração dos critérios da rede colocará em risco este mecanismo de apoio, comprometendo as necessárias compensações às embarcações que praticam pesca dirigida a espécies de fundo, acrescenta a mesma nota.
Pesca artesanal com salto e vara
“A pesca artesanal com salto e vara tem sido historicamente uma prática respeitada nos Açores, e reconhecida internacionalmente pela sua sustentabilidade, mas deve ser conduzida fora das áreas de reserva total para assegurar que estas zonas continuem a desempenhar o seu papel ecológico. Na verdade, a valorização do atum dos Açores será maior se a Região demostrar capacidade de desenvolver práticas ambientalmente responsáveis, num mar que é gerido por padrões de conservação internacionalmente reconhecidos.
O Governo Regional dos Açores reafirma o” seu compromisso com uma gestão sustentável dos recursos marinhos e com a implementação integral da nova RAMPA. A criação destas zonas foi amplamente discutida em consulta pública, com especialistas científicos, representantes do sector das pescas e organizações não-governamentais ao longo de um processo participativo que garantiu um equilíbrio entre conservação ambiental e desenvolvimento económico”.
“A iniciativa apresentada pelo PS, sem qualquer base científica ou consulta pública, poucos meses após a aprovação do diploma, e com a mesma proposta que já tinha sido chumbada em Outubro, desvirtua todo um processo que tem vindo a ser desenvolvido pelas partes interessadas. Acresce a esta incoerência, a justificação da urgência da iniciativa, alegando o início da safra do atum, que se iniciou no mês de Março, quando o diploma em questão só entra em vigor no final de Setembro” realça a mesma nota.
E acrescenta que “também do ponto de vista estritamente jurídico, a proposta do PS pode ser inconstitucional, ao basear-se em factos cientificamente falsos, bem como poderá enfraquecer ainda mais a posição da Região junto do Tribunal Constitucional no âmbito da denominada Lei do Mar”.
“Na verdade, esta proposta faz lembrar a actuação do XXIII Governo da República, do PS, que avançou com uma proposta de lei que consubstanciava a segunda alteração à denominada Lei do Mar, ainda mais centralista do que a actualmente em vigor, que incluía a classificação das áreas marinhas protegidas no conceito de instrumento de ordenamento do espaço marítimo nacional, subtraindo uma competência que é hoje inquestionavelmente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, à luz do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores – aliás, uma competência que desde há muito faz parte do elenco expresso de competências legislativas das regiões autónomas”, adianta.
“E se é certo, felizmente, que tal proposta de lei caducou com o termo da XV Legislatura, é preciso não esquecer que a proposta de lei chegou a ser aprovada na generalidade, com os votos a favor do PS, abstenção do Chega, PCP, Livre e dos deputados socialistas insulares, e votos contra do PSD, IL, BE e PAN”, pode ler-se na mesma nota.
A Secretaria Regional do Mar e das Pescas apela ao PS para “reconsiderar esta proposta à luz dos impactos negativos que poderá gerar. Aliás, seria determinante que o PS recentrasse o seu posicionamento com o passado recente, quando, em 2019, na qualidade de Governo Regional dos Açores, assinou o Memorando de Entendimento do Blue Azores comprometendo-se com a criação de 15% de áreas marinhas protegidas totalmente protegidas (sem excepções)”.
Agricultura e Mar