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Casa do Azeite. Mariana Matos: algoritmo do Nutri-score “penaliza claramente os produtos 100% naturais”

Alguns produtos monoingredientes, como o mel e azeite, “têm problemas suplementares com a aplicação dos vários sistemas de rotulagem Front Of Pack (FOP)” propostos pela Comissão Europeia. No caso específico do Nutri-score, que parece reunir maior consenso a nível europeu, “o algoritmo penaliza claramente este tipo de produtos 100% naturais, sem qualquer possibilidade de alteração da sua “fórmula”, pois é a natureza que os produz”.

Quem o diz é Mariana Matos, secretária-geral da Casa do Azeite – Associação do Azeite de Portugal, em entrevista ao agriculturaemar.com, na sequência do 10º Concurso Internacional de Azeites Virgem Extra – Prémio CA Ovibeja, uma iniciativa organizada pela ACOS – Associação de Agricultores do Sul e a Casa do Azeite.

Mariana Matos acrescenta que em Portugal, o Ministério da Agricultura, através da DGAV — Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária, entidade que tutela a rotulagem dos géneros alimentícios, e “apesar da discordância do Ministério da Saúde, tem recusado até à presente data apoiar ou recomendar um dos esquemas de rotulagem nutricional FOP já desenvolvidos, alegando que a Comissão Europeia deve promover a utilização de um esquema de rotulagem FOP comum em toda a UE, o que de resto merece a nossa total concordância”.

Nutri-Score, um sistema polémico

O sistema de rotulagem Nutri-Score, que a Comissão Europeia pretende instituir, não parece reunir o apoio de vários produtores do sector agroalimentar, nem dos próprios Estados. O governo espanhol quer retirar o azeite da lista de produtos que utilizam aquele sistema porque a classificação atribuída por este sistema “não reflecte os seus benefícios nutricionais”.

A Sectorial Nacional del Aceite de Oliva Virgen Extra com Denominação de Origem Protegida (DOP) lançou mesmo uma petição para que o azeite virgem seja elevado à categoria máxima do Nutri-Score. E o ministro da Agricultura italiano, Stefano Patuanelli, declarou mesmo que “o objectivo é dar informações verdadeiras aos cidadãos. O sistema Nutri score é um perigo real que pode comprometer o sistema agroalimentar italiano”.

Refira-se que segundo o Open Food Facts, que reúne dados e informação sobre produtos alimentares de todo o Mundo classificados pelo Nutri-score, há um azeite português classificado com a letra “D”, a menos saudável da escala, apesar de todos os outros estarem classificados com “C”, ainda assim, uma classificação inferior à de refrigerantes com zero açúcar que merece a letra “B”, ou à de uma embalagem de pudim de caramelo, com a letra “A”, a classificação mais saudável. Também a manteiga de amendoim é classificada com a letra “A”. Até a Fanta de uva está melhor colocada que o azeite, com a letra “B”.

Mariana Matos

Entrevista a Mariana Matos, secretária-geral da Casa do Azeite

 

Já são conhecidos os resultados do 10º Concurso Internacional de Azeites Virgem Extra – Prémio CA Ovibeja. Numa altura em que tanto se tem criticado a agricultura e os agricultores, qual a razão para os azeites biológicos raramente serem premiados em Concursos?

Primeiro que tudo é importante realçar que as provas são cegas, o júri desconhece tudo sobre o azeite que está a provar, incluindo de que país é, ou se é DOP ou de modo de produção biológico, ou com outra certificação qualquer.

Não sei exactamente qual será a razão pela qual os azeites biológicos obtêm poucos prémios, mas algumas hipóteses poderão ser a menor participação destes azeites, porque também existem menos produtores de azeite biológico; o facto de serem eventualmente produtores de menor dimensão, portanto não cumprirem os requisitos para participação, pelo menos em alguns concursos. Outra hipótese poderá ser que o facto de serem biológicos os impede de realizarem alguns tratamentos fitossanitários mais efectivos para o combate a algumas doenças e assim a qualidade das azeitonas poder ser afectada negativamente, com o correspondente impacto na qualidade do azeite.

E os azeites vencedores são de agricultura em sebe, de regadio, ou de sequeiro?

Não dispomos dessa informação, mas do que conhecemos sobre alguns dos azeites premiados há azeites de olivais tradicionais, de sequeiro, mas também de olivais intensivos e em sebe, regados. Parece portanto não haver uma correlação directa e inequívoca entre o tipo de olival, o modo de produção e a qualidade.

Qual a posição da Casa do Azeite sobre a implementação do Nutri-score?

Como parte da Estratégia Farm to Fork, publicada em 20 de Maio de 2020, a Comissão tenciona apresentar, até final de 2022, uma proposta para rotulagem Front Of Pack (FOP) obrigatória para toda a UE.

A Casa do Azeite, bem como as suas congéneres europeias, há muito que defendem uma abordagem coordenada para a rotulagem nutricional FOP a nível europeu, já que as iniciativas nacionais fragmentam o Mercado Único e geram confusão nos consumidores.

De facto, nos últimos anos proliferaram na Europa esquemas de rotulagem nutricional FOP de vários tipos, sendo que alguns Estados-membros já recomendam regimes voluntários os seus países.

Pode dar exemplos desses esquemas de rotulagem nutricional?

Destes esquemas de rotulagem fazem parte o símbolo Green Keyhole usado na Suécia e Dinamarca, o esquema de “Semáforos Nutricionais” no Reino Unido, o “NutrInform Battery” recomendado na Itália, e o sistema codificado por cores “Nutri-Score” desenvolvido em França, que vai ser implementado em Espanha, Bélgica, Holanda, Alemanha, Luxemburgo, Suíça e França até final de 2021.

Em Portugal, o Ministério da Agricultura, através da DGAV, entidade que tutela a rotulagem dos géneros alimentícios, e apesar da discordância do Ministério da Saúde, tem recusado até à presente data apoiar ou recomendar um dos esquemas de rotulagem nutricional FOP já desenvolvidos, alegando que a Comissão Europeia deve promover a utilização de um esquema de rotulagem FOP comum em toda a UE, o que de resto merece a nossa total concordância.

Alguns produtos monoingredientes (mel, azeite, etc) têm problemas suplementares com a aplicação dos vários esquemas FOP propostos. No caso específico do Nutri-score, que parece reunir maior consenso a nível europeu, o algoritmo penaliza claramente este tipo de produtos 100% naturais, sem qualquer possibilidade de alteração da sua “fórmula”, pois é a natureza que os produz.

Mas assim o azeite pode ser prejudicado com esta rotulagem?

O azeite é um produto natural que não é susceptível de qualquer formulação que não seja a que ocorre naturalmente dentro da própria azeitona. À luz dos esquemas propostos será sempre prejudicado pois a sua composição é 95-99% gordura, com cerca de 14% de gordura saturada.

No entanto, o azeite é também considerada uma das gorduras mais saudáveis que o consumidor tem à sua disposição, facto que não é reconhecido pois o algoritmo utilizado pelo Nutri-score, por exemplo, contempla apenas o teor dos alimentos em gordura (nomeadamente saturada), calorias, açucares e sal, do lado negativo, e fibras e proteínas, do lado positivo. Ora o azeite é constituído entre 95-99% por gordura, e grande parte da sua riqueza nutricional e dos compostos com elevados benefícios para a saúde (antioxidantes naturais, vitaminas, etc.) são substâncias que não entram no cálculo do “valor nutricional”, pois não são açucares, nem sal, nem fibras nem proteínas.

A Casa do Azeite tem-se congratulado com a intenção da Comissão de regular a Rotulagem Nutricional FOP, para evitar a proliferação de esquemas que só fragmentam o mercado e confundem os consumidores. Mas considera indispensável uma revisão dos algoritmos que permitam “reconhecer” o valor nutricional de um produto como o azeite, que é um produto monoingrediente 100% natural com dezenas de compostos de elevado valor nutricional, que contam zero no cálculo do “valor nutricional” nos esquemas propostos, nomeadamente do Nutri-score.

Caso tal não venha a ser possível, então será de considerar que alguns produtos naturais, que não permitem reformulação, possam estar excepcionados da obrigatoriedade da sua declaração, embora consideremos que esta pode ser uma situação desfavorável para o consumo do azeite.

Ver também:

Nutri-score: novo semáforo alimentar considera um refrigerante zero açúcar mais saudável que o azeite

Agricultura e Mar Actual

 
       
   
 

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