Artigo de opinião de Rosa Moreira, Eng.ª Agrónoma, promotora do site A Cientista Agrícola
Vou apresentar-vos a Maria (nome fictício).
A Maria é agricultora desde adolescente. Tudo o que sabe aprendeu com os pais e avós. Hoje é mais um dia normal na vida da Maria.
São 6h da manhã. Ainda é escuro lá fora. A Maria está quentinha na cama, mas o dever chama-a. Maria levanta-se, lava a cara e veste a farda do trabalho. Entretanto passaram 15 min e já ouve os animais a “chamarem” por si. Precisa primeiro de meter uma bucha de pão à boca pois tem várias horas de trabalho pela frente até fazer a primeira pausa do dia. Aquece o leite e mistura com café, bebe à pressa pois o trabalho está à sua espera. A farda está posta e é hora de honrá-la.
São 10h da manhã. Entretanto a Maria também já foi levar os filhos à escola afinal ela sabe o quanto a educação é essencial para “serem alguém” na vida, foi isso que ouviu desde cedo e que lhe permitiu formar-se em engenheira agrónoma, graças ao esforço dos pais agricultores que apenas com a instrução primária lhe ensinaram muito do que sabe sobre agricultura.
Acabou a primeira parte do seu dia: hora de dar uma olhada nas redes sociais, afinal um agricultor moderno tem de estar actualizado, saber as cotações do mercado, notícias do dia ou simplesmente espairecer e ler as fofocas ou partilhar umas imagens engraçadas que encontra.
Entretanto já viu umas quantas publicações a dizer que os agricultores estão ricos, vivem de subsídios ou envenenam as plantas. Portanto, um dia normal na vida da Maria. Maria está cansada de ler as mesmas coisas, desliga o computador e vai trabalhar novamente, afinal as pessoas que a criticam não fazem o trabalho por ela nem lhe pagam as contas (e tantas que são!).
São 16 h e Maria ainda tem algumas horas de trabalho pela frente. Maria já enfrentou muitas horas de trabalho e está cansada mas a farda ainda está posta e tem orgulho nela: a missão ainda não acabou.
Antes de ir buscar os miúdos à escola, Maria passa no mercado para descarregar os hortícolas que produziu a uma vendedora que lhe costuma a comprar para voltar a revender no dia seguinte. Lá está a senhora a reclamar do preço, e Maria está impaciente. Já é a terceira vez hoje que ouve dizer que “arranja” os produtos hortícolas “lá fora” muito mais baratos. Maria quer responder-lhe mas a educação que os pais lhe deram impede-a de os desiludir.
Mas pensa: “se a me*** que te saí pela boca desse para ser utilizada na minha quinta para adubar as minhas culturas, até te fazia um preço mais barato”…
São 21h: Maria fez o jantar, preparou a roupa dos miúdos e agora é tempo de descansar e conviver com o seu marido. Afinal mal teve tempo para falar com ele hoje.
Maria suspira e diz baixinho: “é hora de tirar um tempo para mim e despir a farda… afinal, depois de um dia tão cansativo até me esqueci de ser eu mesma…”.