Artigo de opinião de Bianca Mattos, Técnica em Políticas da ANP|WWF
O acordo histórico do Quadro Global da Biodiversidade Kunming-Montreal, definido em dezembro de 2022 durante a COP15 da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), trouxe consigo 23 metas fundamentais para travar a perda da biodiversidade, promover a utilização sustentável dos recursos naturais e mobilizar investimentos para implementar estratégias nacionais de biodiversidade e planos de ação até 2030. No entanto, a implementação deste quadro enfrenta desafios significativos devido à lentidão, falta de recursos e, principalmente, à sua baixa priorização política por parte do Governo português.
O caso português é paradoxal e revela uma preocupante lacuna na capacidade de implementação das estratégias de conservação
Portugal aprovou em 2018 uma Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade 2030 (ENCNB 2030). Esta Estratégia Nacional está agora a ser revista para refletir os objetivos deste recente Quadro Global da Biodiversidade, que tem metas até 2030 mas uma visão até 2050. Até aqui, tudo faz sentido: adaptar estratégias a novos objetivos comuns para garantir o melhor quadro de conservação possível. Só que o caso português é paradoxal e revela uma preocupante lacuna na capacidade de implementação das estratégias de conservação. O primeiro erro está precisamente em dizer que estamos a implementar uma estratégia quando ainda temos vários planos e estudos inacabados ou deveras atrasados sobre o estado atual de conservação de espécies e habitats.
Senão vejamos: Portugal está atrasado no cumprimento da meta n.º 3 do Quadro Global da Biodiversidade, na qual cada país se deve comprometer em conservar 30% da superfície terrestre e marinha até 2030. De acordo com o Relatório do Estado do Ambiente 2022, Portugal possui 21% do território terrestre coberto por áreas da Rede Natura 2000, mas não está clara a percentagem total do território terrestre e marinho coberta por áreas protegidas e que está a ser oficialmente contabilizada para o cumprimento desta meta, pois as informações são por vezes confusas e incompletas. Mais ainda: não basta promulgar decretos criando áreas protegidas e chegar aos 30% se estas áreas não forem realmente as mais relevantes em termos de biodiversidade a ser preservada, se não houver conectividade no seio do sistema de áreas protegidas, se não houver envolvimento adequado dos stakeholders, ou se os planos de gestão não forem bem elaborados e implementados. Ou seja, se o Governo cumpre os critérios quantitativos da meta mas opta por ignorar os critérios qualitativos, então a meta não está a ser cumprida.
Outro exemplo é a meta n.º 4 deste Quadro, que visa evitar a extinção de espécies e promover ações de recuperação do estado de conservação das espécies da fauna e da flora. Portugal não possui uma estratégia nacional de conservação de espécies ameaçadas de extinção. O que existem são planos individuais para algumas espécies com estatuto de proteção, desconectados entre si e sem um sistema de governança que os integre dentro de uma estratégia única. Além disso, os planos têm problemas de implementação, com comités de acompanhamento que se reúnem com uma frequência indefinida e muito aquém do desejável. O Plano de Ação para a Conservação do Lobo-ibérico (PAC Lobo) e o Plano de Ação para a Conservação do Lince Ibérico em Portugal (PACLIP), desenvolvidos e apresentados no decénio anterior, tardam em ser renovados para 2023-2030.
A conservação da natureza precisa de se tornar de facto uma prioridade nacional, com recursos dedicados e aumento da capacidade de execução, com políticas e práticas de governança sérias, transparentes e que apostem na participação das organizações da sociedade civil nas políticas de biodiversidade. Não basta cumprir metas no papel, é fundamental garantir que estas metas têm um real impacto no futuro do planeta, da biodiversidade e das pessoas. Quadro Global da Biodiversidade sim, mas com coerência, foco e impactos reais e duradouros de proteção dos ecossistemas nacionais.
Agricultura e Mar