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Investigadores pela pesca sustentável enviam carta aberta à ministra do Mar para que Portugal respeite os pareceres científicos

Dois investigadores estrangeiros, Moritz Eichert e Nicolas Blanc, que vivem em Portugal enviaram uma carta aberta – e assinada por cerca de 100 investigadores – à ministra do Mar, Ana Paula Vitorino. O objectivo é pedir à classe política e à ministra para respeitar o parecer científico na gestão das pescas.

De modo a levar a ciência ao mundo político, aqueles investigadores criaram um manifesto cuja informação pode ser acedida aqui.

O manifesto foi enviado quarta, dia 7 de Dezembro à ministra, com as assinaturas de cerca de 100 investigadores de ciências marinhas das mais reconhecidas universidades e centros de investigação em Portugal, como o CCMAR, CIIMAR, MARE, Instituto Superior Técnico, ou a Universidade dos Açores, desde investigadores a estudantes, passando por bolseiros e doutorandos.

Com a maior Zona Económica Exclusiva dos estados membros da União Europeia (UE), e com a maioria da sua população residente perto da sua linha costeira, Portugal tem uma “rica e profunda ligação com a pesca. Esta acarreta não só um grande peso a nível socioeconómico, como também representa uma importante parte da identidade nacional. Contudo, as pescas encontram-se numa crise profunda, em Portugal e no Mundo. Os níveis de captura estão em queda há largos anos, e Portugal encontra-se fortemente dependente de importações de pescado. Esta situação resulta de décadas de sobre-exploração de recursos pesqueiros, e estes encontram-se sobre pressão acrescida devido a impactos causados por alterações climáticas e poluição, entre outros”, afirmam aqueles investigadores.

Para garantir uma pesca sustentável a longo termo, os stocks pesqueiros necessitam de ser suficientemente abundantes de forma a providenciar um rendimento máximo ao sector, e ao mesmo tempo conseguir realizar o seu papel no ecossistema. Este equilíbrio, onde um stock que está a ser explorado consegue manter níveis reprodutivos saudáveis e assegurar capturas de um nível elevado a longo termo sem entrar em perigo de colapso, é chamado Rendimento Máximo Sustentável (RMS). Em Portugal, “apenas 55% dos stocks são pescados a níveis que permitem atingir a taxa de RMS, sendo que os restantes stocks são explorados acima deste limite, ou ainda não foram suficientemente estudados de modo a conhecer os valores de RMS”, dizem os mesmos responsáveis.

Para os dois investigadores, um dos grandes vectores que permitiram a sobre-exploração observada de recursos pesqueiros foi o avanço tecnológico do sector da pesca, que permitiu localizar peixe mais eficazmente e aumentar a capacidade de captura. Assim, a gestão das pescas tornou-se cada vez mais importante para regular a pressão pesqueira, tendo desenvolvido medidas como calendários de pesca, Totais Admissíveis de Captura (TAC) e tamanhos mínimos de captura, entre outras.

Na UE, a gestão das pescas é uma competência partilhada entre os Estados-membros e a própria União, actualmente sob a Política Comum das Pescas (PCP). Este documento foi criado para estabelecer regras e objectivos comuns para os sectores da pesca dos Estados-membros, e apresenta o ambicioso objectivo de terminar com a sobrepesca. Este objectivo tem como base atingir taxas de RMS para todos os stocks que são geridos por quotas, originalmente até 2015, com a possibilidade de ser de forma gradual até 2020. “Contudo, 2015 já passou e poucas melhorias foram observadas, e uma das principais razões é o lento progresso tomado pelo Conselho das Pescas, que ao contrário das outras medidas, possui competência exclusiva no que toca a fixação de TAC”, dizem os investigadores.

Conselho de Ministros das Pescas

No final de cada ano, os ministros responsáveis pela gestão do sector das pescas de cada Estado-membro reúnem-se para decidir as possibilidades de pesca para o próximo ano, no chamado Conselho de Ministros das Pescas da UE – no caso de Portugal, a representante é a ministra do Mar, Ana Paula Vitorino. Previamente a esta reunião, órgãos científicos independentes, como o Conselho Internacional para a Exploração dos Mares (ICES), são consultados pela Comissão Europeia para providenciarem o seu parecer científico sobre as possibilidades de pesca de acordo com os seus estudos relativos aos stocks. Contudo, a decisão final é tomada pelo Conselho em reuniões à porta fechada. Mas, dizem os investigadores, o “problema deste processo é o seguinte: De forma bastante frequente, as quotas são estabelecidas acima das recomendadas pelo parecer científico, e mais: Os ministros não são obrigados a apresentar os motivos destas decisões, o que impossibilita a sua compreensão”.

“Este comportamento anti-democrático desrespeita o trabalho feito pelos cientistas, e tem mantido um padrão de sobrepesca ao longo dos anos que também explica as dificuldades enfrentadas actualmente pelo sector das pescas. Uma vez que um stock é sobre-explorado, são precisos anos ou décadas de quotas baixas para que volte a níveis saudáveis. Esta situação tem criado instabilidade na generalidade do sector, e afecta sobretudo os pescadores”, diz a mesma fonte. Assim, para tentar iniciar a mudança de paradigma do tipo de decisões tomadas pela Conselho das Pescas, a iniciativa “Investigadores pela Pesca Sustentável” foi criada por dois jovens investigadores.

Objectivo: chamar a atenção da ministra

O objectivo desta iniciativa é chamar a atenção da ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, através de um manifesto que comporta diversos pontos a seguir para uma gestão de pescas sustentável e baseada no conhecimento. “Esta passa, entre outros factores, por respeitar os pareceres científicos, a importância de tomar decisões que vão em linha com a PCP, com particular importância para a abordagem precaucionária para os stocks com poucos dados científicos, e a disponibilização de fundos que permitam a entidades responsáveis pela gestão e estudo de recursos, como o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e a Direcção Geral dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), de melhorarem a recolha de dados e estudo dos stocks explorados”, realça os investigadores.

Agricultura e Mar Actual

 
       
   
 

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