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Cria de abutre-preto após a sua anilhagem no ninho artificial, na Herdade da Contenda.

SPEA: medicamento veterinário para uso pecuário ameaça abutres em Portugal

Organizações Não-Governamentais de Ambiente (ONGA) nacionais obtiveram recentemente confirmação de que está actualmente a ser avaliada na Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) um pedido de autorização de comercialização de um medicamento veterinário para uso pecuário contendo a substância activa diclofenac.

“Esta substância foi responsável pelo dramático e abrupto declínio dos abutres do sub-continente Indiano, que quase os levou à extinção”. A ATN – Associação Transumância e Natureza, a LPN – Liga para a Protecção da Natureza , a Palombar – Associação de Conservação da Natureza e do Património Rural, a Quercus e a SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves “já alertaram as autoridades competentes para os seus impactos sobre as aves necrófagas, tendo apelado ao Governo português para que não permita a autorização e utilização desta substância em território nacional ao nível da pecuária”, afirma um comunicado da SPEA.

De acordo com a “ampla informação científica existente e como referem os alertas anteriormente feitos por diversas organizações nacionais e internacionais, o diclofenac, um anti-inflamatório não esteroide, provoca insuficiência renal aguda nos abutres e também em águias do género Aquila, que culmina na sua morte num curto espaço de tempo”, acrescenta o mesmo documento. E salienta que estas aves morrem de colapso renal até dois dias após a ingestão de tecidos de animais tratados com diclofenac. “Na Índia, bastou que menos de 1% das carcaças disponíveis para os abutres contivessem um nível letal de diclofenac para causar a redução das suas populações em mais de 97%, o que levou a que este fármaco tenha sido banido no subcontinente indiano”, diz a SPEA.

Alternativas ao fármaco

Estes ambientalistas salientam, por outro lado, a existência em Portugal de várias alternativas a este fármaco, e com muito menor impacto, pelo que o tratamento de espécies pecuárias é actualmente perfeitamente possível sem recorrer ao uso do diclofenac e de uma forma segura para as aves necrófagas.

Portugal possui importantes populações de abutres e de grandes águias com hábitos necrófagos e com estatuto de ameaça elevado: o abutre-preto (Aegypius monachus), o britango (Neophron percnopterus), o grifo (Gyps fulvus), a águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti) e a águia-real (Aquila chrysaetos), a maioria delas com efectivos muito reduzidos. Todas estas espécies estão legalmente protegidas em Portugal no âmbito da Directiva Aves da União Europeia. Tendo em conta os impactos provados do diclofenac nestas espécies, os seus hábitos alimentares e a suas reduzidas populações, a autorização e utilização do diclofenac em Portugal “terá um impacto potencialmente devastador nestas aves e também nos ecossistemas onde ocorrem, em consequência do papel ecológico fundamental que possuem”, frisa a SPEA.

A autorização do diclofenac em Portugal para uso pecuário “poderá colocar em causa de forma irremediável o compromisso e esforço nacionais de conservação das aves necrófagas, desperdiçando uma oportunidade do Estado português reiterar o seu empenho relativamente aos objectivos de conservação da natureza e sustentabilidade ambiental a nível nacional e da União Europeia”, acrescenta aquela organização.

A SPEA recorde-se que a Convenção Sobre a Conservação de Espécies Migradoras da Fauna Selvagem (CMS ou Convenção de Bona), adoptou uma resolução na Conferência das Partes em 2014 (Resolução 11.15 da COP11 da CMS), com o voto favorável de Portugal, que inclui a recomendação legislativa de “proibir o uso do diclofenac veterinário para o tratamento pecuário e substitui-lo por alternativas seguras e já disponíveis, tais como o meloxicam”.

Comunidade internacional preocupada

A BirdLife Internacional (da qual a SPEA é a representante em Portugal) e a Vulture Conservation Foundation (VCF), organizações internacionais de referência na conservação da natureza, demonstraram nos últimos dias a sua preocupação e expectativa com o que possa suceder em Portugal referindo que “a Europa é actualmente o reservatório dos abutres do velho mundo, assim como líder nas melhores práticas de conservação dos abutres. Esperamos que o diclofenac não coloque isso em risco – como tal apelamos a que as autoridades Portuguesas considerem todas as evidências científicas existentes, as recomendações produzidas pela Agência Europeia do Medicamento, os seus compromissos ao abrigo da resolução 11.15 da CMS e recuse a autorização de comercialização no país”. Estas declarações surgem na sequência de um encontro internacional para a preparação de um plano de conservação global para os abutres da Eurásia e África.

A União Internacional para Conservação da Natureza (UICN) anunciou também uma moção aprovada no âmbito do Congresso Mundial de Conservação realizado em Setembro de 2016, em que “apela aos Governos que implementem urgentemente as recomendações da resolução 11.15 da CMS”, incluindo a referente à proibição do uso do diclofenac veterinário.

O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), parceiro nos vários projectos de conservação de aves necrófagas em Portugal, reconheceu já a sua preocupação face à potencial utilização do diclofenac ao nível da pecuária, assim como os riscos que daí advêm para a conservação das populações nacionais de aves necrófagas. A preocupação de todas as organizações envolvidas na preservação destas espécies está evidente na proposta de Plano Nacional para a Conservação das Aves Necrófagas em Portugal, que aguarda aprovação final e implementação.

As ONGA envolvidas consideram que “a utilização do melhor conhecimento científico existente e o respeito pelo princípio da precaução impõe que o Estado Português não autorize o diclofenac para uso pecuário, evitando o consumar de um risco real, iminente e crítico para a conservação das aves necrófagas em Portugal”.

Agricultura e Mar Actual

 
       
   
 

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