Artigo de opinião do site A Cientista Agrícola
Autora do artigo: Ana Lúcia Pereira, Mestre em tecnologia e ciência alimentar
Atmosfera modificada: a principal tendência na indústria dos frescos
A atmosfera modificada pode ser aplicada a uma gama variada de produtos, nomeadamente carne, peixe e queijo, mas é sobretudo na indústria dos hortícolas frescos que ela se destaca.
Recorda-se das principais barreiras da indústria de processamento mínimo destacadas no artigo Produtos fresh-cut: sabe o que são? Pois bem, esta tecnologia é uma das soluções mais utilizadas actualmente, uma vez que é capaz de desacelerar a taxa de respiração dos produtos, atrasar o amadurecimento e descoloração, prevenir o desenvolvimento de odores e sabores desagradáveis, e ainda de inibir o crescimento de microrganismos deterioradores e patogénicos1.
Deste modo, esta tecnologia permite estender o tempo de vida útil dos produtos frescos2, originando uma solução à actual demanda por produtos inovadores, frescos, saudáveis, nutritivos e convenientes, que globalmente tem vindo a crescer cerca de 6% por ano3.
Sabia que as frutas e legumes respiram?
Antes de explicarmos em que consiste a atmosfera modificada, é necessário entender um dos processos fisiológicos mais importantes dos hortícolas e que mais impacto tem na eficácia desta tecnologia: a taxa de respiração (e transpiração).
Tal como nós, humanos, as frutas e legumes respiram e transpiram, consumindo oxigénio (O2) e libertando dióxido de carbono (CO2) e vapor de água (H2O). Cada fruto tem uma taxa de respiração específica, que por sua vez é influenciada por diferentes factores intrínsecos (tipo de cultivar, nível de maturação) e extrínsecos (temperatura, níveis de O2 e CO2, tempo de armazenamento)4.
Assim sendo, o desenvolvimento de uma atmosfera modificada necessita de ter em consideração todos estes aspectos.
Mas em que consiste a atmosfera modificada?
A atmosfera modificada pode ser aplicada em recipientes selados – embalagem de atmosfera modificada (MAP – Modified Atmosphere Packaging) –, ou no armazenamento em massa. Em ambos os casos, esta tecnologia é definida como um processo dinâmico, em que a composição gasosa do ar que envolve o produto é alterada5. Além disso, é necessário um constante controlo de temperatura, que deve ser refrigerada.
Essa alteração da composição gasosa deve ocorrer no sentido de diminuir o nível de O2 (1 a 5%) e aumentar a percentagem de CO2 (entre 3 a 20%), uma vez que os principais processos que conduzem à deterioração do produto são potenciados pela presença do oxigénio. Assim, um nível mais baixo de O2permite minimizar/evitar4,5:
- Crescimento microbiológico;
- Oxidação: escurecimento/acastanhamento do produto;
- Taxa de respiração e produção de etileno, atrasando assim o amadurecimento do produto e posterior senescência.
Fonte da imagem: DirectIndustry.
Além disso, o próprio CO2 tem um efeito bacteriostático e fungistático, ou seja, retarda o crescimento de bactérias e fungos, respectivamente4.
Contudo, é necessário avaliar os limites mínimos de oxigénio, isto é, o nível de O2 que induz a fermentação, um processo que conduz ao desenvolvimento de sabores e odores desagradáveis6. Também a síntese dos compostos associados ao aroma agradável e reconhecido dos hortícolas é afectada, o que pode conduzir a uma percepção da perda de qualidade por parte do consumidor4.
Deste modo, é necessário um equilíbrio entre os níveis de O2 e CO2, que sejam adaptados a cada cultivar, de modo que o objectivo último de estender o tempo de vida útil microbiológico e sensorial do produto seja alcançado.
Atmosfera modificada: o processo
O MAP é o registo mais utilizado na indústria dos produtos frescos (sobretudo no caso dos produtos minimamente processados prontos a consumir), em que os produtos são colocados numa embalagem selada com um filme/película7. A modificação da atmosfera pode ocorrer de um modo passivo ou activamente.
Esquema do processo de respiração dos produtos no interior de uma embalagem em atmosfera modificada. Fonte da imagem: Science Direct.
Na modificação passiva, o desenvolvimento da atmosfera desejada ocorre naturalmente, por meio da interacção entre a respiração do produto e a permeabilidade selectiva a gases da embalagem, que após um determinado período de tempo permite que a composição atmosférica desejada seja atingida8. O material da embalagem e película deve ser adequado e adaptado às necessidades de respiração do produto4.
A modificação activa da atmosfera pode ocorrer de duas maneiras: através da introdução de gases na embalagem antes da selagem, ou por meio da utilização de absorvedores de gases. Ambos os casos, apesar de acarretarem custos adicionais, permitem que a mistura de gases pretendida seja estabelecida mais rápida ou quase imediatamente4.
Atmosfera modificada: a embalagem
A embalagem é um dos principais factores a ter em atenção no desenvolvimento da atmosfera modificada, pois são as suas características de permeabilidade, espessura, área, e existência, número e diâmetro das perfurações, que vão definir as trocas gasosas e consequente alcance da composição de gases desejada9.
Como resultado da crescente necessidade de minimizar o impacto ambiental causado pelo plástico, materiais como o polietileno de baixa densidade, provenientes de petroquímicos10 e mais comummente utilizados, têm vindo a ser substituídos por materiais reciclados11, ou até por novos materiais biodegradáveis e sustentáveis que têm surgido, como o ácido polilático12.
Atmosfera modificada: principais tecnologias inovadoras
São várias as novas tecnologias que têm vindo a ser desenvolvidas, com o objectivo de melhorar continuamente a eficácia da atmosfera modificada. Em seguida destacamos duas que consideramos como principais, interessantes e úteis.
Embalagem activa
É um tipo de embalagem desenvolvida para absorver e/ou libertar compostos bioativos de ou para o interior da embalagem. Um exemplo são os captadores/absorvedores de oxigénio13 e etileno14, cujos níveis mais baixos minimizam o crescimento microbiano15 e desaceleram o amadurecimento16, respectivamente.
Outras tecnologias de embalagem activa envolvem bandejas ou películas absorventes que removem o excesso de vapor de água e de fluido dos produtos17, filmes antioxidantes para minimizar a oxidação18, ou materiais de embalagem com aditivos anti-microbianos19.
Embalagem inteligente
No caso da embalagem inteligente, esta incorpora sensores que monitorizam e comunicam ao consumidor a qualidade, segurança, temperatura e/ou o estado dos alimentos20,21.
Fonte da imagem: TecnoAlimentar
Alguns exemplos incluem indicadores/biossensores que detetam alterações na composição gasosa22, presença de etileno23, ou outros compostos associados à deterioração do produto24. Ao fazerem este tipo de deteções, os biossensores têm uma resposta visual, através de uma mudança de cor cujo significado é apresentado na embalagem e por isso compreendido pelo consumidor.