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CAP assina Manifesto por uma Floresta Não Discriminada para explicar bem o eucalipto

A CAP — Confederação dos Agricultores de Portugal associou-se ao Manifesto por uma Floresta Não Discriminada, iniciativa em que participaram mais de uma centena de entidades e personalidades.

“Alusões pouco rigorosas e incorrectas sobre a gestão florestal e as causas dos incêndios em Portugal, imputando ao eucalipto essa responsabilidade”, conduziu ao nascimento de um Manifesto que reúne académicos, produtores, autarquias e personalidades da política e da governação.

Entre os subscritores encontram-se personalidades da Academia, da industria, do poder local, da produção florestal e também antigos governantes e personalidades associadas como os ex-ministros António Serrano, Bagão Félix, Daniel Bessa, Mira Amaral e Augusto Mateus.

O agriculturaemar.com transcreve aqui o Manifesto por uma Floresta Não Discriminada:

“Os signatários têm vindo a assistir, com grande preocupação, à multiplicação em diferentes meios de comunicação social de alusões pouco rigorosas, ou mesmo manifestamente incorrectas, sobre a gestão da floresta e as causas dos incêndios em Portugal.

Esta preocupação é agravada pelo facto de muitas das afirmações pretenderem, sem qualquer fundamento, imputar ao eucalipto a responsabilidade pelo drama dos incêndios florestais, impedindo desta forma que os esforços se centrem no combate às suas verdadeiras causas.

A desinformação que se vem verificando fere a floresta portuguesa em geral, contribuindo para que não se encontre o caminho adequado para evitar o flagelo dos incêndios, que se agudizou nos anos recentes.

I – As Verdadeiras Causas dos Incêndios

As verdadeiras causas dos incêndios estão essencialmente na excessiva carga de biomassa no terreno, em resultado do reduzidíssimo nível de gestão da floresta e do excesso de matos e de incultos no território português.

Vindo de um passado recente eminentemente rural, Portugal é hoje um País urbano, com grande parte do seu território que deixou de ter condições de atractividade para a fixação de população e para a gestão dos respectivos espaços. O País tem actualmente um interior socialmente desertificado, tendo-se assistido a uma redução significativa das actividades agrícolas e da pastorícia, que conviviam em perfeita simbiose com a floresta, contribuindo para a prevenção dos incêndios.

Esta transformação social, aliada ao deficiente ordenamento do território, à estrutura fragmentada da propriedade, ao desinvestimento do Estado na gestão dos espaços florestais públicos, às características do clima, condições meteorológicas e fenómenos atmosféricos extremos, propicia o cenário de risco com que hoje nos confrontamos. Um estudo realizado por investigadores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e do Instituto Dom Luiz da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa mostrou que cerca de dois terços da variabilidade de ano para ano da área queimada é explicada pela variação das condições meteorológicas[1].

Os factos ajudam bastante e falam por si:

1. Nos últimos quinze anos (2003-2017), segundo os dados do ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, a área ardida em Portugal distribuiu-se da seguinte forma:

– Matos e incultos – 44%

– Pinheiro-bravo – 18%

– Eucalipto – 17%

– Outras ocupações – 21%

Como se verifica, mais de 80% da área ardida em Portugal não é eucalipto.

2. O Relatório de 2017 da CTI (Comissão Técnica Independente, criada no âmbito da Assembleia da República, que analisou os incêndios de Pedrógão Grande e de Góis) é claro sobre o contra-senso que é associar uma determinada espécie florestal às causas dos incêndios. Destacamos as seguintes passagens do Relatório:

“Normalmente associam-se os grandes incêndios florestais a determinadas espécies florestais, contudo são os combustíveis mais superficiais (herbáceas e matos) o maior factor de propagação do fogo nos nossos ecossistemas. O que efectivamente mais determina a propagação do fogo e a sua expansão são as áreas sem qualquer gestão, com elevadas cargas de combustíveis superficiais.” (págs. 165 e 166);

“A mera substituição do eucalipto, e o mesmo seria válido para o pinheiro bravo, por espécies tidas como mais resistentes à propagação do fogo, como o sobreiro, medronheiro e carvalhos, traria resultados modestos de diminuição da área ardida em caso de existência de um estrato arbustivo relevante nos povoamentos.” (pág. 149);

“Sem combustível no seu interior, estas florestas [de eucalipto e pinheiro], em vez de um problema sério, podem fazer parte da solução.” (pág. 163).

3. Nos últimos anos temos vindo a assistir à ocorrência de incêndios florestais de grande dimensão em zonas que não têm eucalipto, tanto em Portugal como no estrangeiro. Registaram-se incêndios devastadores na Grécia e na Califórnia (infelizmente, com um número significativo de vítimas mortais), no Canadá, na Escandinávia ou no Sul de França – regiões/países onde o eucalipto não tem expressão. O mesmo sucedeu em Portugal, onde ocorreram incêndios significativos em áreas onde o eucalipto não tem relevância: na Serra de Sintra, no Pinhal de Leiria, no Parque Nacional da Peneda-Gerês, na serra da Gardunha, entre outros.

4. Têm sido divulgados diversos trabalhos sobre a problemática dos incêndios e as suas causas produzidos por reputados centros de conhecimento (por exemplo, o Instituto Superior de Agronomia e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), que afastam claramente as verdadeiras causas dos incêndios das espécies florestais em concreto. A este propósito, vale a pena referir o Relatório da World Wide Fund for Nature (WWF) deste ano (“O barril de pólvora do noroeste – Proposta ibérica para a prevenção de incêndios”), onde se afirma:

“No sul da Europa, os efeitos cumulativos do aquecimento global, o despovoamento rural e abandono dos usos da terra, a falta de gestão florestal, o modelo de planeamento urbano caótico e uma cultura do fogo errada e profundamente enraizada criaram as condições perfeitas para os grandes incêndios.”;

“Estes incêndios têm um comportamento explosivo e extremo e propagam-se a grandes velocidades. O mundo está a enfrentar uma nova geração de incêndios, em parte ligados às alterações climáticas e que causam verdadeiras tempestades de fogo”;

“A verdade é que, para que haja um incêndio, têm que dar-se três elementos: alguém inicia um fogo (lembre-se que, em média, apenas 4% dos acidentes ocorridos em Espanha são produzidos por causas naturais, e apenas 2% em Portugal), o território tem de ser inflamável e as condições meteorológicas têm que ser favoráveis”;

“A inflamabilidade de uma massa florestal não depende da espécie, mas da sua estrutura, isto é, da quantidade e forma como a biomassa disponível é organizada (…) O debate não pode continuar no eucalipto sim ou não”. (sublinhado nosso)

Em suma, o Relatório da WWF, entidade independente e credível, aponta como causa dos incêndios o abandono de partes do território (ou da floresta), os comportamentos de risco (queimadas efectuadas sem prudência nem conhecimentos, por exemplo), as alterações climáticas e a inexistente ou deficiente gestão florestal. Em nenhum momento é referida uma espécie florestal como causa para incêndios. Pronunciando-se expressamente sobre o eucalipto, o Relatório refere que a presença desta espécie no território faz sentido desde que bem gerido e ordenado.

II – A Questão da Regeneração Natural do Eucalipto

Recentemente tem sido também mediatizada a questão da regeneração natural do eucalipto, tendo até sido aprovada pela Assembleia da República uma Resolução com uma recomendação ao Governo para a criação de um programa de apoio ao arranque do eucalipto de regeneração natural pós-incêndios.

Como a grande maioria das plantas, o eucalipto tem a capacidade de se multiplicar pelas sementes que produz. No entanto, pela característica dessas sementes, a sua dispersão é muito localizada e, em geral, sem capacidade de vir a gerar plantações viáveis. Cumpre referir que os signatários entendem que os casos de regeneração natural por via seminal devem ser objecto de acções de controlo e arranque, no âmbito de práticas de gestão florestal há muito praticadas.

Diferente, claro, é o crescimento a partir do cepo na sequência de corte em eucaliptais instalados. Como acontece com algumas outras espécies, como o castanheiro, o carvalho, o medronheiro e o sobreiro, por exemplo, o eucalipto consegue voltar a crescer a partir do cepo da árvore depois do seu corte, e a sua correta condução viabiliza a produção sustentável de madeira.

Como já foi referido, a capacidade de multiplicação seminal do eucalipto é limitada, condição que o distingue de outras espécies, incluindo algumas classificadas como invasoras, como as acácias. Sublinhe-se que, de acordo com as regras aprovadas em 2017 pela União Europeia e na Convenção de Berna, o eucalipto não é considerado espécie invasora. Assim é, entre outras razões, porque a propagação seminal não permite a colonização relevante de territórios adjacentes a povoamentos desta espécie.

Concordando-se com o controlo dos eucaliptos nascidos por regeneração seminal no âmbito das práticas de gestão florestal, não se pode aceitar a desinformação que tem vindo a público a este propósito. O verdadeiro combate deve ser travado contra o que se pode, de facto, considerar uma propagação invasiva, como é o caso, entre outras espécies, da acácia.

III – Importância do Eucalipto para as Regiões, as populações Rurais e para a Economia

Reafirma-se que o ataque injustificado que se tem vindo a fazer contra o eucalipto não tem adesão aos factos nem sustentação académica ou científica. O combate a esta espécie florestal poderá ser devido à incapacidade de enfrentar as verdadeiras causas dos problemas que afectam a Floresta Nacional. “Diabolizando-se” a única espécie florestal com retorno para o produtor num prazo de 10-15 anos, contribui-se para a redução do rendimento das várias centenas de milhar de pequenos proprietários, produtores florestais e empresas prestadoras de serviços, concorrendo para o abandono da floresta cuidada e para o aumento descontrolado das áreas de matos e incultos (que representam a maior parte da área ardida em Portugal).

A onda de demagogia que se tem vindo a avolumar nos últimos meses ameaça pôr em risco a médio prazo fileiras silvo-industriais com enorme importância para o emprego, para o ambiente e para a economia nacional. As fileiras que utilizam produtos de base florestal como fonte de matéria-prima são responsáveis por 2% do PIB e 9% das exportações do País, asseguram cerca de 100.000 empregos directos e indirectos e envolvem mais de 400.000 proprietários florestais, numa actividade que contribui para o desenvolvimento de todo o País, de norte a sul, no litoral e no interior.

A floresta representa cerca de um terço do território português e é, a par dos oceanos, um dos mais eficazes sumidouros de CO2 de que dispomos. Relembramos que uma floresta saudável e com uma área estável ou crescente é essencial para cumprir o objectivo de atingir a neutralidade carbónica em 2050. Enquanto País, teremos de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa de cerca de 70 Mt CO2 para 10Mt CO2 e, por ser esta a capacidade de absorção do nosso ecossistema, proveniente principalmente das florestas de Portugal Continental.

Não existe outro sector ou actividade económica em Portugal com este tipo de impacto, nem se vislumbra possível durante as próximas décadas outra ocupação de parte significativa do território nacional que seja tão social e regionalmente inclusiva ou tão rentável para o País. É um sector que produz bens transaccionáveis, exportando para mais de 130 países, estando em permanente e intensa concorrência com os mais diversos operadores internacionais. Infelizmente, as penalizações e os custos extraordinários que têm sido impostos à fileira no passado recente (ou venham a ser no futuro) não podem ser passados aos seus clientes internacionais, tendo de ser absorvidos por toda a cadeia de valor, desde os produtores florestais e prestadores de serviços até à indústria e comercialização de papel, cartão e outros produtos finais.

Os signatários defendem a certificação da gestão florestal, sob escrutínio de reconhecidas entidades internacionais (FSC e PEFC), no sentido de estender as boas práticas de gestão, sustentáveis, a toda a floresta. A floresta de eucalipto é aliás o maior dinamizador da certificação da gestão florestal em Portugal.

O ataque que se tem registado contra o eucalipto promove a desertificação do interior e das zonas rurais do País, colocando em risco grande parte dos postos de trabalho directos e indirectos existentes na fileira florestal, distribuídos por pequenos produtores, prestadores de serviços, empresas de logística e industriais, etc. Finalmente, atacar o eucalipto é atacar a espécie florestal que mais contribui, a uma larga distância, para a absorção de CO2 em Portugal, comummente aceite como a batalha essencial para mitigar os nefastos impactos das alterações climáticas. Tal não deixa de ser paradoxal dado que estas constituem uma das causas directas do aumento da magnitude dos incêndios em Portugal e no resto do mundo.

Acresce que o eucalipto é a matéria-prima base para o fabrico de papel, produto natural, renovável, reciclável e biodegradável, absolutamente fundamental na nossa sociedade e que, cada vez mais, está a contribuir para a erradicação da utilização de plásticos não biodegradáveis, em especial os de utilização única, ao desenvolver bioprodutos de origem não fóssil para utilização em embalagens.

A floresta industrial ou de produção (de eucalipto ou de outra espécie), tal como a floresta de conservação ou lazer, contribui igualmente para a formação de solo (por enraizamento e retenção de biomassa no terreno), para o combate à erosão (sobretudo em zonas de maior declive), para o aproveitamento útil da água da chuva (prevenindo os efeitos das chuvas torrenciais e promovendo a infiltração), para a purificação e humidificação do ar, para a redução das amplitudes térmicas, para a manutenção de espécies prestadoras de serviços de ecossistema como, por exemplo, os polinizadores, e para a manutenção de áreas de alto valor de conservação.

É preocupante saber-se que Portugal é o único país da Europa em que se tem verificado uma redução da área florestal. Trabalhar para reverter esta situação deve-nos preocupar enquanto Sociedade.

* * *

Os signatários estão, como sempre têm estado, disponíveis para participar no debate que permita aprofundar o conhecimento de todos os temas que respeitam à Floresta Nacional. Cremos que o esclarecimento é a melhor forma de se contribuir para a valorização da nossa floresta, com pleno respeito pelos valores sociais, económicos e ambientais que lhe estão associados. Queremos acreditar que é este também o interesse dos decisores políticos e de todos os que, com seriedade, se debruçam sobre os temas florestais.

[1] Effects of regional climate change on rural fires in Portugal; Mário G. Pereira, Teresa J. Calado, Carlos C. da Câmara, Tomás Calheiros; Climate Research 57: 187–200, 2013

Agricultura e Mar Actual

 
       
   
 

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Um comentário

  1. Este resumo (não li o documento) parece uma canção de embalar. Primeiro, uma constatação que tudo arde em Portugal. Depois comparação com incêndios em outros países, sem comparar a percentagem de área ardida em Portugal e nesses países (eventualmente estados). Nunca fala na imensa capacidade do eucalipto produzir projeções incandescentes em caso de incêndio a quilómetros da origem, o que não se verifica, da mesma forma, com outras espécies florestais. Relativamente ao retorno económico, não é assim tão evidente para os pequenos agricultores. Já a floresta de usos múltiplos (resina, caça, cogumelos, poderia fornecer retornos económicos anuais se houvesse um pouco mais de apoio do estado, na sua organização). Excluo os serviços ecológicos prestados pela floresta e que ainda ninguém paga – sequestro de CO2/produção de O2, regulação do ciclo hídrico, prevenção de erosão, biodiversidade, bem-estar, etc. Quanto ao sequestro do CO2 pelo eucalipto, só será duradouro se houver incorporação de carbono no solo, pois a parte utilizável da planta rapidamente regressa à atmosfera, na forma de CO2.

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